Morreu o cineasta e escritor francês Claude Lanzmann, diretor do famoso documentário “Shoah” (1985), com mais de nove horas de duração sobre o Holocausto. Ele faleceu nesta quinta-feira (5/7) em Paris, aos 92 anos, após ficar em estado “frágil por vários dias”, de acordo com comunicado da editora Gallimard.
Nascido em Paris em 1925, ele chegou a lutar na resistência francesa contra os nazistas e dedicou sua vida à questão judaica e a expor as atrocidades do nazismo.
Lanzmann também teve grande relação com os líderes do movimento existencialista. Foi o secretário do filósofo Jean-Paul Sartre e, durante sete anos, entre 1952 e 1959, viveu com a escritora Simone de Beauvoir, de quem recebeu 112 cartas de amor – vendidas em leilão à Universidade de Yale em janeiro deste ano, por valor não revelado.
Seu primeiro filme foi “Por Que Israel?” (1973), em que entrevistou os imigrantes que se estabeleceram, lutaram e ajudaram a fundar o país, na época com 25 anos de existência, buscando demonstrar o que tinham em comum estudantes marxistas da Rússia e intelectuais burgueses dos Estados Unidos, reunidos em torno da mesma causa.
Mas foi com “Shoah” que se tornou o maior documentarista da história judaica. “Shoah” (em hebraico, catástrofe ou calamidade) era a palavra que Lanzmann usava, em vez de holocausto (oferenda queimada) para definir o genocídio causado pelo nazismo. Em sua autobiografia, “A Lebre da Patagônia”, Lanzmann escreveu: “Como poderia haver um nome para algo que não tivesse precedentes na história da humanidade? Se tivesse sido possível não dar um título ao filme, eu teria feito isso”.
Para seu documentário épico, em escopo e duração, Lanzmann localizou e entrevistou diversas testemunhas vivas do extermínio: oficiais e burocratas que administravam os campos; sobreviventes judeus, incluindo veteranos do levante de 1943 no gueto de Varsóvia; e pessoas da cidade polonesa em Treblinka, onde ficava o pior dos campos de concentração: Auschwitz. Com o objetivo de registrar depoimentos de ex-nazistas, chegou a se passar por um historiador francês que pretendia “endireitar as coisas”, mostrando o lado dos alemães. E assim conseguiu acesso a pessoas como Franz Suchomel, ex-funcionário da SS em Treblinka, condenado a seis anos de prisão por crimes de guerra.
Premiado em diversos festivais – como Berlim e Roterdã – e pelas Academias Francesa e Britânica, “Shoah” é considerado o filme definitivo sobre o Holocausto. Mas Lanzmann o chamava de “uma ficção do real”. Foi conscientemente artístico, disse ele certa vez, de modo a “tornar o insuportável suportável”.
Israel e o holocausto continuaram a ser temas dominantes em sua filmografia, que também destaca “Tsahal” (1994), sobre as forças de defesa de Israel, “Un Vivant qui Passe” (1999), sobre como a Cruz Vermelha elogiou os campos de concentração nazistas, “Sobibór, 14 Octobre 1943, 16 Heures”, sobre um levante de prisioneiros contra nazistas, e “O Último dos Injustos” (2013), sobre o gueto-modelo de Theresienstadt.
Seu último filme, “Napalm”, foi também o único em que mudou de assunto. Exibido na Mostra de São Paulo do ano passado, revisitava casos amorosos em uma de suas viagens quando era jovem.
Poucos anos antes, Lanzmann veio ao Brasil lançar sua autobiografia “A Lebre da Patagônia” e participar da Festa Literária de Paraty (Flip). Mas o debate de que participou, com o tema “A ética da representação”, desandou sob mediação do professor da Unicamp Márcio Seligmann-Silva. Ao fim do festival, o curador da edição de 2011, Manuel da Costa Pinto, atacou Lanzmann afirmando que ele havia feito “uma coisa nazista” ao adotar uma postura “contra o debate intelectual”.
Lanzmann ficou indignado. “Esse sujeito (Costa Pinto) é um estúpido. É uma vergonha ele dizer isso. Logo eu, um inimigo dos nazistas. Eu dediquei a minha vida a revelar os abusos do Holocausto. Ele deveria ser demitido. Já o mediador queria demonstrar erudição às minhas custas. Ele queria mostrar o quanto era inteligente, mas eu estava ali para conversar com o público e falar do meu livro”, reagiu o francês.
Seu projeto final, “The Four Sisters” – uma minissérie documental de quatro capítulos – foi lançado na França na véspera sua morte. Composta de filmagens feitas para “Shoah” mas não usadas no filme final, “The Four Sisters” traz entrevistas com quatro mulheres que sobreviveram ao Holocausto.
No ano passado, ele ficou profundamente abalado pela morte de seu filho Félix, de 23 anos, vítima de um câncer. Amigos dizem que ele nunca se recuperou e foi morrendo aos poucos.