Seis meses após a imprensa publicar e repercutir uma acusação de assédio sexual contra George Takei, o ator veterano que interpretou o Sr. Sulu na série clássica “Jornada nas Estrelas” (Star Trek), um jornalista finalmente fez o trabalho que os responsáveis pelo texto original tiveram preguiça de realizar. Ele verificou que a denúncia não se sustenta e publicá-la foi um erro que deveria ter sido evitado.
Em novembro de 2017, o ator de 81 anos, que também é conhecido como ativista gay, foi acusado de agressão sexual, decorrente de um incidente que supostamente ocorreu nos anos 1980. O relato foi impresso pela primeira vez pela revista The Hollywood Reporter. Em sua acusação, o ex-modelo Scott Brunton disse ter sido drogado e apalpado pelo ator durante um encontro em 1981.
A denúncia não rendeu investigação criminal pela falta de elementos que pudessem corroborar a história, mesmo assim ela passou a assombrar a carreira de Takei. Coube a um repórter do semanário nova-iorquino Observer sepultar de vez a mentira.
Shane Snow passou meses investigando as alegações. Ele entrevistou o próprio Brunton, especialistas e muitas pessoas que conhecem Takei. O resultado foi um artigo detalhado e extenso publicado no Observer que desafia o denunciante. Sua conclusão é: “Nós – público e imprensa – erramos ao publicar a história de abuso sexual de George Takei”.
Para começar, o jornalista apontou as inconsistências da história de Brunton, contadas a diferentes meios de comunicação após a matéria da THR se tornar viral. “Brunton não mencionou ter sido drogado até dois dias depois da publicação da THR, e em resposta à negação pública de Takei”, escreveu Snow. “E então, em uma entrevista à CNN, ele confusamente não contou nem uma coisa nem outra.”
Depois da história da THR, foram usuários do Twitter que assumiram que Brunton tinha sido drogado, deduzindo isso de sua descrição do encontro, porque afirmou que, depois de tomar dois drinques no apartamento de Takei, tentou se levantar e se sentiu tonto. Ele disse que Takei o levou a uma poltrona e então ele perdeu a consciência por algum tempo. Brunton disse que despertou após sentir o suposto tatear, e foi capaz de ficar sóbrio, dirigir para casa e ficar sem ressaca no dia seguinte.
Após tuiteiros embarcarem e aumentarem sua história, Brunton acrescentou este detalhe na descrição do suposto assédio, dizendo ao jornal The Oregonian: “Eu sei que, inequivocamente, ele batizou minha bebida”.
Na entrevista realizada por Snow, ele tentou justificar a mudança de detalhes: “Eu pensei que estava bêbado… Só percebi que tinha sido outra coisa anos depois, quando começaram a falar sobre drogas para estupro – e então Cosby e tudo mais.”
O repórter foi tirar a limpo a afirmação com dois toxicologistas, que rechaçaram a tese da bebida batizada. “O álcool sozinho, se bebido rapidamente, poderia explicar a perda de sentidos, particularmente se houvesse um pouco de hipotensão postural”, disse o especialista em estupro Michael Scott-Ham, de uma firma de consultoria em Londres. “O fato de ele se recuperar tão rapidamente não sugere ação de uma droga.”
Snow compartilhou as conclusões dos toxicologistas com Brunton, que aparentemente concordou, ao dizer sobre Takei: “Isso o torna um pouco menos sinistro”.
Então, Snow mergulhou na alegação do abuso sexual, lembrando que Brunton entrou em contradição em várias entrevistas. “Ele tocou seus genitais?”, perguntou francamente.
“Você sabe… provavelmente…”, Brunton respondeu depois de alguma hesitação. “Ele estava claramente a caminho de… chegar em algum lugar.”
“Então … você não se lembra dele tocando seus genitais?”, insistiu o jornalista.
Brunton então confessou que não se lembrava de nenhum toque.
Na recordação de Brunton, ele disse que, de repente, suas calças estavam soltas e que Takei estava puxando sua cueca, mas Brunton disse que não queria fazer sexo. Ele disse que Takei respondeu: “Estou tentando deixar você confortável”. Mas Brunton empurrou-o dizendo: “Não”. E foi embora.
O ex-vice-promotor distrital Ambrosio Rodriguez, que processou estupradores e molestadores na Califórnia, disse a Snow: “Não há nada para processar aqui”, depois de ouvir sobre a noite em detalhes. “As pessoas se embebedam em encontros e tiram as calças um do outro o tempo todo.”
Rodriguez disse a Snow que são as ações seguintes que são críticas para as ramificações legais. “O detalhe crucial no contexto de um encontro consensual entre dois adultos que estão bebendo é o consentimento. Quando um deles fez um avanço e teve o consentimento negado, ele recuou. Simplesmente tentar usufruir de sexo num encontro entre adultos não é crime”, disse Rodriguez. O crime é forçar isso sem consentimento, o que não aconteceu.
Snow então mergulhou em outros detalhes, como a cultura das boates gays de Los Angeles, onde Brunton e Takei se conheceram. Também apontou a diferença entre a acusação solitária dirigida contra Takei e a montanha de denúncias contra predadores célebres como Bill Cosby e Harvey Weinstein.
Ele também compartilhou algumas declarações ofensivas de Brunton sobre Takei, a quem chamou de velho e asiático, e a forma como descreveu o encontro não como uma história traumática, mas como “uma grande história de festa”.
Brunton afirmou não ter ficado chateado ou traumatizado, e só quis se apresentar depois que Takei criticou Kevin Spacey por anunciar sua homossexualidade para desviar a narrativa de uma acusação de pedofilia.
Há muitos outros detalhes, mas o mais importante no texto de Snow é lembrar aos leitores que as denúncias contra Harvey Weinstein no New York Times e na revista New Yorker foram resultado de muitos meses de reportagem, apuração, corroboração e checagem de fatos.
“Mas, uma vez que esta represa se rompeu, o interesse do público por notícias do gênero funcionaram como um incentivo para que a imprensa divulgasse qualquer denúncia rapidamente, sem o mesmo cuidado, e para que as mídias sociais polarizadas rapidamente as transformassem em fuzilamento”, escreveu Snow. “É fácil esquecer que toda história tem suas próprias sutilezas e nuances, e as conseqüências de publicar uma denúncia mentirosa podem ser severas.”
A conclusão do jornalista: “Devemos às vítimas e ao acusado investigar todos os lados de uma história antes de liberá-la para que as massas a devorem”.