A Netflix divulgou o trailer legendado de “Troia: A Queda de uma Cidade” (Troy: Fall of a City), série britânica que liderou a audiência, mas também gerou polêmica durante sua exibição no Reino Unido.
A série teve grande repercussão na mídia e nas redes sociais, graças à escalação controversa de atores negros como intérpretes de heróis e deuses gregos. A decisão foi toma em nome da liberdade artística dos produtores, que optaram por anacronismo politicamente correto para retratar personagens descritos como brancos por Homero e retratados em afrescos, estátuas e até em moedas da Grécia antiga dessa forma.
As mudanças mais significativas envolveram Aquiles, interpretado por David Gyasi (“Interestelar”), Eneias, vivido pelo “brasileiro” Alfred Enoch (“How To Get Away With Murder”), e até Zeus, maior deus dos gregos, representado por Hakeem Kae-Kazim (“Black Sails”) – jogando por terra inúmeras representações pictóricas do velhinho de barbas, roupas e pele claras, soltando raios nos pobres mortais.
Como as escalações dizem mais respeito ao século 21 do que ao século 13 antes de Cristo, alegraram os defensores de uma agenda de inclusão, mas frustram quem esperava uma recriação mais fiel do épico de Homero, a ponto de gerar editoriais sobre o assunto.
“Por que a nova série da BBC ‘Troy: Fall of a City’, passada há 1,2 mil anos antes de Cristo, sente a necessidade de nos doutrinar sobre raça e gênero?’, indagou uma manchete do tabloide The Sun. “Controvérsia espreita a escalação do mítico Aquiles com um ator negro no novo épico da BBC”, publicou o site Greek Hollywood Reporter.
Os produtores defenderam as escalações em entrevista à revista Variety, afirmando que o “mundo dos mitos” permite “uma liberdade maravilhosa” de casting. “Diversidade está no coração do nosso casting e no coração do que a BBC e a Netflix querem. Isto só é controverso se as pessoas tentam criar uma controvérsia a partir disso”, afirmou Derek Wax, numa frase digna, como diriam os gregos, dos melhores sofistas.
Comentários no Twitter lembram que os africanos não tem nenhuma relação com a mitologia grega ou com a história da Grécia antiga. Alguns se disseram “chocados” com a “tentativa da BBC de reescrever a História da Grécia”.
Poderia se argumentar que pelo menos os troianos não eram europeus brancos, já que sua cidade ficava na Turquia. Mas a verdade é que até eles eram gregos. A região de Anatólia foi colonizada pelos gregos e pertencia à civilização helênica, compartilhando, inclusive, os mesmos deuses, como descreve o poema épico de Homero.
Enquanto alguns se limitaram à discussão histórica, a polêmica também traz à tona argumentos francamente racistas. Nunca falta tampouco quem lembre situação oposta, um filme sobre o Pantera Negra estrelado por um ator branco. Entretanto, antes de “Pantera Negra” existiu “O Fantasma” (1996), herói branco de quadrinhos passados na África. A cultura e a sociedade simplesmente evoluem.
Mas a polêmica não é realmente sobre os avanços do presente, mas a respeito do anacronismo representado pela ação afirmativa da escalação. Recriar o passado sob uma ótica politicamente correta pode, em seu extremo, levar à situação-limite de retratar o período da escravidão sem escravos negros. A abordagem inclusiva também falha em respeitar os povos e culturas originais, tendo efeito oposto ao esperado.
Criador da série, David Farr defendeu sua opção dizendo que lidou com mitos e não com História factual para justificar suas decisões de elenco. “Ninguém sabe se a versão de Homero, que foi escrita 500 anos depois [da Guerra de Troia], é fiel aos fatos ou se é inteiramente mítica”, ele afirmou, referindo-se ao poema épico “A Ilíada”, de 3,2 mil anos atrás.
É bom lembrar que o mesmo poderia ser dito sobre a Bíblia.