O Festival de Cannes 2018 pode ficar sem seu filme de encerramento. Trata-se de mais um capítulo da maldição de “The Man Who Killed Don Quixote” (O Homem que Matou Dom Quixote, em tradução literal), que atormenta o diretor Terry Gilliam há 20 anos, criando todo o tipo de contratempo possível e imaginável para dificultar a realização e, agora, o lançamento do longa-metragem.
A organização do evento denunciou nesta segunda-feira (30/4) estar sofrendo “intimidações” do produtor português Paulo Branco, que exige o cancelamento da exibição do filme no encerramento do evento, marcado para o dia 19 de maio.
A Alfama Films, controlada por Branco e ex-produtora do filme de Gilliam, recorreu à Justiça para proibir a première mundial, alegando que isso “viola os direitos de divulgação da obra”. Em resposta, a organização de Cannes acusou Branco de proceder com “intimidações e afirmações difamatórias tão irrisórias como grotescas”.
Em comunicado, o presidente do festival Pierre Lescure e o delegado geral Thierry Frémaux afirmaram que Cannes “respeitará a decisão” que será tomada pela Justiça numa audiência marcada para o dia 7 de maio, “seja ela qual for”. Mas ressaltaram no texto seu compromisso com o cinema. Após citar que os advogados de Branco prometeram uma “derrota desonrosa” ao festival, afirmaram que a única derrota “seria ceder à ameaça”.
No mesmo comunicado, os representantes do festival reiteraram que “os artistas necessitam mais que nunca que sejam defendidos, não atacados”. Por isto, neste ano, além do filme de Gilliam, incluíram na seleção de Cannes obras de iraniano Jafar Panahi e do russo Kirill Serebrennikov, que estão presos em seus países. Além disso, decidiram suspender o veto ao cineasta dinamarquês Lars von Trier, que tinha sido considerado “persona non grata” no evento em 2011.
A briga judicial com Paulo Branco apenas prolonga a via crucis de Terry Gilliam, que começou a pré-produção de “The Man Who Killed Don Quixote” em 1998, há exatos 20 anos.
A filmagem original teve início em 2000, com Johnny Depp (“Piratas do Caribe”) no papel principal, e foram tantos problemas, incluindo inundações, interferências das forças armadas espanholas e uma hérnia sofrida pelo astro, que a produção precisou ser interrompida e o filme abandonado. Todas as dificuldades enfrentadas pelo projeto foram registradas num documentário premiado, “Lost in La Mancha” (2002).
Uma década depois, em 2010, Gilliam voltou a ficar perto de realizar seu projeto, chegando a filmar Ewan McGregor (“O Escritor Fantasma”) como protagonista e Robert Duvall (“O Juiz”) no papel de Dom Quixote, mas a produção precisou ser novamente interrompida, desta vez por problemas financeiros.
Em 2015, ele chegou a anunciar uma nova tentativa, agora estrelada por Jack O’Connell (“Invencível”) e John Hurt (“O Espião que Sabia Demais”), mas a briga com o produtor português adiou o projeto. Os dois se desentenderam durante a pré-produção, o que levou o diretor a entrar na justiça francesa para anular a cessão de direitos, enquanto realizava o longa com apoio de outra produtora.
Neste meio tempo, John Hurt acabou morrendo e precisou ser substituído na quarta filmagem anunciada, desta vez definitiva.
Assim, quem acabou nos papéis principais foram Adam Driver (“Star Wars: O Despertar da Força”) e Jonathan Pryce (série “Game of Thrones”).
O elenco final também inclui Olga Kurylenko (“Oblivion”), Stellan Skarsgård (“Ninfomaníaca”), Óscar Jaenada (“Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas”), Jordi Mollà (“Riddick”), Sergi López (“Faces de uma Mulher”), Jason Watkins (série “Taboo”) e Rossy de Palma (“Madame”).
Mas enquanto Gilliam comemorava a conclusão das filmagens amaldiçoadas no ano passado, um tribunal de Paris se pronunciou em primeira instância em favor do produtor português, embora tenha rejeitado seu pedido de parar as filmagens. O cineasta recorreu e uma nova audiência da justiça francesa foi marcada para 15 de junho, data em que se saberá qual será o destino do filme.
Uma prévia desta sentença será conhecida antes. A organização de Cannes entrou com uma liminar para exibir o filme e a decisão da justiça foi marcada para 7 de maio, data aludida no comunicado do evento, e que cai um dia antes do início do festival.
Inspirado no clássico de Miguel de Cervantes, o longa gira em torno de um cansado diretor de comerciais que viaja para a Espanha para uma gravação, mas acaba embarcando numa jornada bizarra de volta no tempo, onde encontra Dom Quixote, que imediatamente o confunde com Sancho Pança e o arrasta para uma série de aventuras catastróficas.
Mas não tão catastróficas como a história de bastidores do próprio filme.