A primeira semana de maio é a última do ano sem lançamento de blockbuster americano. Por isso, as estreias mais amplas são um besteirol nacional, “Ninguém Entra Ninguém Sai”, e uma animação derivativa da China, “Rock Dog – No Faro do Sucesso”.
Com maior distribuição, a comédia brasileira leva a 400 salas a premissa de “Vendo ou Alugo” (2013), trocando a casa à beira do morro carioca por um motel – ainda que supostamente seja baseada numa crônica de Luis Fernando Veríssimo. Já a animação, apesar de ser chinesa, tem direção do americano Ash Brannon (“Toy Story 2”) e elementos de “Kung Fu Panda” (2008) e “Sing” (2016), mas nenhuma das virtudes do roteiro ou da técnica de suas inspirações.
Ironicamente, tanto a animação quanto a comédia de motel são infantis. Por sinal, “Ninguém Entra Ninguém Sai” deve ser a comédia de motel mais pudica já feita na história do cinema mundial.
Quem busca uma sessão mais adulta pode se surpreender com o terror “A Autópsia”, premiado em vários festivais, inclusive no prestigioso Sitges e na mostra Midnight Madness do Festival de Toronto. A trama gira em torno da autópsia de uma mulher desconhecida, realizada por pai e filho legistas, durante a noite num necrotério. Ela foi encontrada no porão de uma casa onde aconteceu um massacre e quanto mais os dois descobrem sobre a causa de sua morte, mais o necrotério se torna sombrio como um local mal-assombrado, com direito a tempestade e eventos sobrenaturais. Apesar de falada em inglês, a direção é do norueguês André Øvredal, do cultuado “O Caçador de Troll” (2010).
O resto da programação é restrita ao circuito limitado, mas as opções alternativas são um verdadeiro festival de cinema, com títulos que podem ser considerados obrigatórios para os cinéfilos que gostam de preencher listas de melhores do ano.
A melhor sugestão americana vai para o drama “Melhores Amigos”, que só entrou em cartaz em 12 salas. Para se ter ideia, o longa tem 98% de aprovação no Rotten Tomatoes, foi premiado em festivais, apareceu entre os filmes favoritos da crítica americana em 2016, figurou em troféus indies e muitos questionaram sua ausência no Oscar, especialmente na categoria de Melhor Roteiro, onde se destaca um brasileiro, Mauricio Zacharias. Ele é parceiro do diretor Ira Sachs neste e em outros dramas premiados, como “O Amor é Estranho” (2014) e “Deixe a Luz Acesa” (2012), além de ter escrito no Brasil o excelente “O Céu de Suely” (2006). Em “Melhores Amigos”, Zacharias e Sachs contam a história de dois adolescentes cuja amizade precisa enfrentar disputas financeiras entre suas famílias, num retrato sensível sobre como as dificuldades econômicas deixam marcas.
Melhor que este, só “Clash”, uma alternativa que parece arriscada, já que se trata de uma produção egípcia distribuída também em apenas 12 salas, mas não lhe faltam a tensão e a ousadia que o cinema americano há muito perdeu. Com impressionantes 100% de aprovação no Rotten Tomatoes, é um suspense dramático passado durante a Primavera Árabe no Egito. Claustrofóbico, acompanha um grupo confundido com integrantes da Irmandade Islâmica, trancafiado pela polícia num caminhão de oito metros com fanáticos reais. Neste espaço exíguo, o que menos importa é provar sua identidade, já que o conflito acontece a seu redor, nas ruas e ao lado, entre os prisioneiros. A direção é de Mohamed Diab, que antes fez o igualmente impactante “Cairo 678” (2010), sobre mulheres em busca de justiça contra o assédio sexual na sociedade muçulmana. Com todos os elementos que rendem filmes cults, abriu a mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes do ano passado, e foi premiado em diversos festivais.
Outro drama indie bem cotado, “Norman – Confie em Mim” traz uma performance arrebatadora do veterano Richard Gere (“O Exótico Hotel Marigold 2”), obcecado em seu objetivo de conhecer pessoas importantes e conectá-las visando aumentar seu networking, até que, por acaso, finalmente tem a sorte de criar laços com o futuro Primeiro Ministro de Israel. O filme, que tem 89% de aprovação no Rotten Tomatoes, marca a estreia em Hollywood de Joseph Cedar, aclamado por seu filme anterior, “Nota de Rodapé” (2011). Apesar de ter feito carreira em Israel, ele nasceu em Nova York.
“A Filha” é uma adaptação australiana e contemporânea de “O Pato Selvagem”, peça do final do século 19 do norueguês Henrik Ibsen. A conhecida fábula moral mostra que a mentira pode ter mais valor que a verdade, diante de uma revelação com capacidade de destruir uma família e conduzir ao suicídio. O diretor e roteirista estreante Simon Stone ganhou vários prêmios em seu país pela obra, que tem 76% de aprovação no Rotten Tomatoes.
“Sobre Viagens e Amores” marca a volta de Gabriele Muccino ao cinema italiano, mas sem sair dos EUA. Especialista em dramas lacrimosos, ele caiu nas graças de Hollywood com “À Procura da Felicidade” (2006), estrelado por Will Smith e seu filho Jaden, mas seus filmes seguintes foram fraquinhos, fraquinhos. Desta vez, conta a história de um casal de estudantes italianos que viajam para San Francisco, nos EUA, onde vão passar uma temporada na casa de um casal gay. O problema é que a menina é católica e homofóbica e não sabia deste detalhe da hospedagem.
“A Mulher que se Foi” é um longa típico do filipino Lav Dias, com as características que marcam sua filmografia peculiar. Ou seja, trata-se de um drama filmado em preto e branco, com takes demorados, longuíssima duração (em torno de 4 horas) e consagrado em festivais de prestígio. A história contemplativa acompanha uma mulher que, após passar 30 anos presa, resolve se vingar do antigo amante. Venceu simplesmente o Leão de Ouro do Festival de Veneza do ano passado.
Dois filmes brasileiros que também marcaram grandes mostras internacionais completam a programação. “Beduíno”, do eterno marginal Júlio Bressane, tem uma das piores distribuições da semana. Traz Fernando Eiras e Alessandra Negrini encenando fantasias num apartamento, numa metáfora sobre a vida e a arte, de proposta similar ao experimentalismo de Jacques Rivette (1928-2016) nos anos 1960. Foi selecionado para os festivais de Locarno e Roterdã.
Por fim, com exibição num único horário de uma única sala do Grupo Estação, no Rio, o provocante “Éden” finalmente faz sua estreia. O longa que consagrou Leandra Leal como Melhor Atriz nos festivais do Rio de 2012 e Gramado de 2013, e também passou no Festival de Roterdã, demorou cinco anos para chegar aos cinemas. E chega assim, escondidinho, no momento em que seu diretor, Bruno Safadi, vem recebendo elogios por sua trabalho numa novela, “Novo Mundo”. “Éden” foi rodado com baixíssimo orçamento e em tempo exíguo, mas chama atenção pela proposta ousada. Tão ousada que seu drama psicológico, que critica a exploração e o fanatismo evangélico, foi evitado pelas distribuidoras de cinema. Felizmente, o longa também está ganhando distribuição por streaming, pelo Telecine Play.
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