A polêmica sobre a inclusão de filmes da Netflix no Festival de Cannes 2017 dividiu os responsáveis pela escolha do vencedor da Palma de Ouro. De um lado, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar (“Julieta”), que preside o juri, manifestou-se contra premiar um filme que não seja exibido no cinema. Do outro, o ator americano Will Smith (“Esquadrão Suicida”), que estrela um lançamento exclusivo da Netflix, disse estar pronto a bater o pé e discordar.
A disputa da Palma de Ouro terá este ano dois filmes que não serão exibidos nos cinemas: “The Meyerowitz Stories”, de Noah Baumbach, e “Okja”, de Bong Joon-Ho. Ambos serão disponibilizados apenas via streaming na França, o que levou os exibidores franceses a protestarem contra sua inclusão do evento. Por conta da controvérsia, o festival acabou se comprometendo a não selecionar mais filmes com distribuição exclusiva em streaming.
Para Almodóvar, seria um paradoxo que um filme premiado em Cannes não pudesse ser visto nos cinemas. Durante a entrevista coletiva do juri, ele partiu com ímpeto contra o streaming.
“Eu pessoalmente entendo que a Palma de Ouro não deve ser entregue para um filme que não seja visto nos cinemas”, afirmou. “Tudo isso não significa que eu não esteja aberto para celebrar novas tecnologias e oportunidades, mas enquanto eu estiver vivo, vou defender a capacidade de hipnose que uma tela grande tem sobre o espectador, algo que as novas gerações não conhecem”.
A imprensa internacional resolveu provocar, questionando se ele preferia vencer a Palma de Ouro ou ser assistido nos 190 países nos quais os serviços da Netflix são oferecidos. Almodóvar reagiu de forma exaltada. “Mais do que ser visto em 190 países, para mim um filme meu precisa sempre ser assistido em uma tela grande”.
Em seguida, o cineasta leu um comunicado em que esclarece sobre sua opinião do assunto. “Plataformas digitais são uma nova maneira de oferecer imagens e palavras, o que, por si só é enriquecedor. Mas estas plataformas não deveriam tomar o lugar de plataformas pré-existentes, como cinemas”, afirmou. “Elas não deveriam, sob nenhuma circunstância, mudar a oferta para os espectadores. A única solução que vejo seria que as novas plataformas aceitassem e obedecessem as regras que já foram adotadas e respeitadas por meios mais antigos.”
A declaração de Almodóvar levantou a suspeita de que as produções da Netflix não seriam consideradas para os prêmios do festival. Mas Will Smith promete lutar contra o preconceito cinéfilo. Ele afirmou que discorda de Almodóvar e que não se furtaria de realizar um belo “escândalo”, em suas palavras.
“Eu tenho filhos de 16, 18 e 24 anos em casa”, disse o ator, usando Willow, Jaden e Trey Smith como exemplos. “Eles vão aos cinemas duas vezes por semana e assistem Netflix. Uma coisa não atrapalha a outra”, comentou o astro, que estrela a sci-fi “Bright”, com lançamento exclusivo por streaming.
“Em casa, a Netflix é absolutamente benéfica — meus filmes assistem filmes que não teriam acesso de outra maneira. Ela tem expandido a compreensão global dos meus filhos sobre cinema”, afirmou o ator, observado por um Almodóvar contrariado.
Também parte do júri, a diretora francesa Agnès Jaoui (“Além do Arco-Íris”) se aliou a Will Smith ao defender as produções da Netflix que concorrem à Palma de Ouro. “Não podemos fingir que a tecnologia não existe. Mas seria um absurdo penalizar esses diretores apenas por causa disso.”
Os demais integrantes do júri da Palma de Ouro são a atriz americana Jessica Chastain (“A Colina Escarlate”), a atriz chinesa Fan Bingbing (“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”), o diretor italiano Paolo Sorrentino (“Juventude”), a cineasta alemã Maren Ade (“Toni Erdmann”), o diretor sul-coreano Park Chan-woo (“A Criada”) e o compositor libanês Gabriel Yared (“É Apenas o Fim do Mundo”).
Vale observar que “Okja” será lançado nos cinemas na Coreia do Sul. E os dois filmes da Netflix só não serão exibidos nas salas francesas porque as redes se valem de uma regulamentação que estabelece uma janela de 36 meses entre a distribuição em cinema e a disponibilização em streaming de uma produção.
“Estamos certos de que os amantes franceses de cinema não vão querer ver esses filmes três anos depois do resto do mundo”, rebateu a Netflix em um comunicado.