“A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell” traz para cerca de 800 cinemas do Brasil o mundo futurista dos mangás e animes japoneses, em versão com atores feita em Hollywood. O visual é de cair o queixo. Mas a americanização não passa apenas pela escalação de Scarlett Johansson, por sinal perfeita no papel. A história de Masamune Shirow foi simplificada para o público “menos esperto” do Ocidente. Extirpada de suas questões existenciais, a sci-fi cyberpunk assume mais cara de blockbuster americano, com uma cena de ação atrás da outra, em ritmo frenético. Os quadrinhos e a animação originais eram influenciadas por “Blade Runner” (1982) e, por sua vez, influenciaram “Matrix” (1999), entre muitas outras obras. Por isso, mesmo que o roteiro se esforce em transformar Scarlett em “RoboCop”, ainda sobra DNA suficiente – e impressionantes efeitos visuais – para garantir um filme de entretenimento passável (49% de aprovação no Rotten Tomatoes).
Com ainda mais visibilidade, em torno de 900 salas, a animação “O Poderoso Chefinho” dividiu as opiniões da crítica norte-americana. Há quem a considere o primeiro grande equívoco da DreamWorks Animation e quem celebre seu ritmo alucinado, ao melhor estilo do Looney Tunes. No meio do caminho entre o primeiro trailer e a exibição do filme, a história original, adaptada do livro infantil de Marla Frazee, foi abandonada por uma trama de correrias. Talvez nem a Pixar ousasse adaptar a franquia, que mostra como os bebês se tornam pequenos tiranos, mandando na vida dos pais. Mas se o objetivo era transformar isso num desenho de bebê agente secreto, talvez fosse melhor não gastar dinheiro com os direitos autorais. O público alvo, que são as crianças, só precisa mesmo é de piadas de bumbum, que o longa entrega em número recorde.
Já sobre “O Espaço entre Nós” há um consenso. O filme conseguiu implodir com 17% e faturar apenas US$ 7 milhões, antes de ser tirado de cartaz nos EUA. Mistureba de gêneros, sua trama faz uma improvável combinação de “Perdido em Marte” (2015) com “A Culpa É das Estrelas” (2014), explorando a tendência do romance de doença adolescente com um viés de ficção científica, a cargo do diretor responsável por “Hanna Montana – O Filme” (2009)!
O melhor da semana, apesar de também ser americano, foi relegado a apenas 12 salas. Saudado pela crítica com 88% de aprovação, o drama indie “Mulheres do Século 20” foi indicado ao Oscar 2017 de Melhor Roteiro e traz uma interpretação consagradora de Annette Bening. Ela vive uma mãe feminista, que resolve alistar a ajuda de duas outras mulheres mais novas para educar seu filho adolescente: uma fotógrafa punk vivida por Greta Gerwig e uma garota de 16 anos, interpretada por Elle Fanning. Como a história se passa em 1979, tem ainda uma das melhores trilhas de rock dos últimos tempos.
Entre as três produções europeias lançadas nos cinemas “de arte”, “Os Belos Dias de Aranjuez” foi a única exibida em competição num festival top. Ainda assim, só o que conquistou em Veneza foram críticas negativas, ao levar a extremos a pretensão de Wim Wenders de filmar dramas em 3D. Desta vez, a condição, expressa na trama, é que houvesse apenas diálogos. Uma história contada num jardim, por uma mulher a um homem, e anotada por um escritor. Tudo falado em francês e eventualmente acompanhado ao piano por Nick Cave.
Wenders não é o único cineasta alemão veterano a estrear obra nova nesta semana. “O Mundo Fora do Lugar” volta a juntar a diretora Margarethe von Trotta e a atriz Barbara Sukowa após “Hannah Arendt” (2012), numa história sobre segredos e aparências.
O menos convencional da lista europeia é “O Ornitólogo”, do cultuado português João Pedro Rodrigues, que combina elementos sobrenaturais e homoerotismo. A trama parte de clichês de filme de terror, mostrando um homem perdido num rio que pode ser assombrado, mas ganha um significado, digamos, alegórico, ao assumir paralelos com a história de Santo Antônio de Pádua, via tabus sadomasoquistas. Premiado em festivais menos tradicionais, confirma o talento de Rodrigues como um dos melhores representantes do cinema queer atual.
Quatro filmes brasileiros disputam as salas que sobram. Dois são documentários e, cada um a seu modo, tratam de prisão: “Central – O Filme” foca o Presídio Central de Porto Alegre, superlotado e imundo, enquanto “Galeria F” relembra a fuga de um preso político da ditadura militar, que, num caso raro da história brasileira, fora condenado à morte pela justiça. A diretora Emilia Silveira já tinha abordado o período em seu documentário “Setenta” (2013).
Os dois dramas nacionais que completam a programação têm registros distintos. Em preto e branco e ao som de heavy metal, “Eu Te Levo” marca a estreia na direção do roteirista Marcelo Müller (“Infância Clandestina”), que cai na armadilha da representação do tédio, de forma tediosa. Já “A Glória e a Graça” tropeça em outra armadilha. O título diz respeito a duas irmãs de mundo opostos – uma em crise, após ser diagnosticada com um melodrama terminal, e a outra bem resolvida, que resolveu se assumir como travesti. O detalhe é que, ao buscar – em tese – empoderar minorias sexuais, Flávio R. Tambellini (“Malu de Bicicleta”) optou por prática oposta ao escalar uma atriz conhecida, Carolina Ferraz, como travesti. Ironicamente, ela está muito bem e é o melhor elemento de todo o filme.
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