“Era o Hotel Cambridge” é um filme de ficção, porém, tão colado à realidade dos fatos e situações que representa, que, muitas vezes, é difícil distinguir a encenação do documentário.
A história que o filme conta é a da ocupação de um prédio abandonado no centro de São Paulo, na avenida 9 de julho, que foi, era, o hotel Cambridge, pelo Movimento dos Sem-Teto do Centro. O filme foi feito lá mesmo, com os ocupantes representando seus papéis, sua história e a de outros, ao lado de atores profissionais.
A diretora Eliane Caffé (“Narradores de Javé”), com sua equipe de filmagem, frequentou a ocupação por dois anos, conviveu e se envolveu com a vida dos moradores até criar sua ficção, que é uma interação entre personagens e situações daquele espaço e de relatos que vieram deles. Eliane descobriu, ao lado dos chamados sem-teto, refugiados estrangeiros vindos do Congo, da Síria e da Palestina, recém chegados ao Brasil. Buscou também registrar o convívio desses refugiados com os “refugiados” do próprio país, ou seja, os “refugiados da falta de direitos”.
Aqui, o cinema não observou a realidade, se envolveu com ela (e ainda se envolve, diga-se de passagem). Mergulhou na situação vivida pelas pessoas que ocupam aquele prédio, mostrou fatos relativos a outras ocupações, à repressão policial, e se envolveu também com os aspectos psicológicos, humanos, daquelas pessoas sofridas, mas ativas e lutadoras. Mostrou o comando e a força do gênero feminino nessa batalha diária e constante que é a ocupação.
Carmen Sílvia desponta como liderança popular, forte e decidida, e acaba se revelando como atriz. José Dumont (novela “Velho Chico”) e Suely Franco (“Minha Mãe é uma Peça 2”) estão muito integrados à situação, vivendo tudo aquilo junto com os ocupantes sem-teto, como se fossem eles próprios moradores e integrantes do movimento de moradia.
“Era o Hotel Cambridge” reflete o amálgama de fatos, situações, encenações, personagens, que se confundem no real e no imaginário, oriundos do mundo interno ou da dimensão sociológica, sem delimitações claras. Toma o partido da FLM – Frente de Luta Pela Moradia – e dos demais movimentos a ela associados. Realiza uma imersão comprometida com a questão social que retrata. É um filme emocionante e envolvente. Um filme de luta, eu diria.
A produção recebeu muitos prêmios pelo Brasil. O público da 40ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o do Festival do Rio 2016 o elegeu como melhor longa brasileiro. Venceu também o Festival Aruanda, de João Pessoa, e foi premiado no Festival Cinema de Fronteira em Bagé, além de se destacar em festivais internacionais, como os de San Sebastian e Roterdã.