Filme de abertura da 40ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Belos Sonhos”, de Marco Bellocchio, é um trabalho forte, intenso e honesto. É baseado no romance autobiográfico do jornalista e dirigente do jornal La Stampa, Massimo Gramelline, vivido na tela por Valerio Mastandrea (“Viva a Liberdade”) em sua fase adulta.
A trama começa por mostrar o trauma original da vida do menino Massimo: a perda, aos 9 anos de idade, de forma súbita, da mãe tão amada e tão próxima. Companheira de brincadeiras, dança e medo diante dos filmes de terror clássicos, figura jovem e cheia de energia.
Essa morte se torna misteriosa para ele, que se recusa a aceitá-la. Chega o período da adolescência e Massimo ainda sente de forma dolorida aquela perda tão absurda e incompreensível. Só na vida adulta, 30 anos depois, é que o jornalista resolve ir a fundo para tentar entender o que se passou. O filme trabalha alternadamente nos três tempos da história do personagem, enfatizando o menino que vive no coração do adulto.
O drama de uma vida, uma história marcante, assume dimensões trágicas mesmo na aparente placidez do cotidiano de classe média, do reconhecimento e do sucesso profissional. Sucesso que se potencializa quando uma carta de resposta a um leitor expõe os sentimentos do escriba com franqueza.
Tudo que é vivido, lembrado, reconstituído, passa pelo crivo não só da memória seletiva, que nos protege dos sentimentos ou desejos sombrios ou degradantes, mas também da torrente de emoções do momento que provoca o abalo. Às vezes, como no caso de Massimo, são necessários 30 anos para que se possa encarar os fatos – até, conhecê-los pela primeira vez. De que outra forma poderíamos preservar nossos belos sonhos?
Bellocchio encontrou o clima certo para provocar e fazer o espectador olhar para a história desse personagem com mais profundidade e humanidade. O que poderia se converter num dramalhão lacrimoso resulta num drama psicológico denso e consistente, nas mãos desse cineasta que extrai de seu elenco desempenhos que trazem à tona os sentimentos e sofrimentos mais fortes, sempre num tom contido. Às vezes, preso, sufocado.
Esse mais recente trabalho de Marco Bellocchio comprova que ele é um dos grandes cineastas da atualidade e um digno representante do que do melhor cinema italiano.