Os índices de suicídios têm aumentado de modo tão assustador nos últimos anos que o fascínio pela história de pessoas que vão ao extremo de tirar a vida pode despertar inevitável curiosidade. Em seu primeiro longa de ficção, o paulistano Gustavo Rosa de Moura parte de um registro privado sobre uma personagem que sobreviveu para carregar o peso de ter, em um momento de desespero, tentado provocar a própria morte, algo forte o suficiente para manter, ao menos a princípio, o interesse por “Canção da Volta”.
Sem uma experiência expressiva como intérprete, Marina Person, que é esposa de Gustavo, tem a difícil missão de incorporar Júlia, na maior parte do tempo em dissintonia com um mundo que outrora tentou abandonar. No entanto, a perspectiva que acompanhamos é a de Eduardo (João Miguel, de “Xingu”), o marido que lida praticamente só com as responsabilidades domésticas após cumprir a rotina profissional.
Sem verbalizar as motivações de Júlia, “Canção da Volta” prefere se ater a um presente em que o incômodo de ter algum familiar ou conhecido indagando sobre a motivação de seu desejo suicida se transformou em uma questão diária. Há também a dinâmica de um casal que não funciona mais e a presença de um filho, Lucas (Francisco Miguez, o protagonista de “As Melhores Coisas do Mundo”), que agora convive com a impressão de não ter sido priorizado durante a escolha radical de sua mãe.
Com mais sugestões que resoluções, o drama não progride, especialmente pela direção não oferecer um tratamento visual que seja capaz de representar uma atmosfera de sufoco físico e emocional. Além do mais, a adoção de uma estrutura quase fragmentada mais dispersa do que garante o envolvimento com a história, esta praticamente jogada ao deus-dará em um terceiro ato com pistas mal ajambradas (as notificações no WhatsApp, a caixa misteriosa) e um encerramento no mínimo descuidado.