Um roteiro até então desconhecido, escrito pelo cineasta sueco Ingmar Bergman para uma antologia nunca concluída, que contaria também com obras do italiano Federico Fellini e do japonês Akira Kurosawa, finalmente vai sair do papel e virar filme, informou o jornal Dagens Nyheter.
Intitulado “Sessenta e Quatro Minutos com Rebecka” e apontado como uma trama feminista, o roteiro foi escrito em 1969, mas a colaboração entre os lendários diretores não foi a frente. Por conta disso, texto ficou guardado até o início dos anos 2000, quando Bergman doou sua coleção para a fundação criada para preservar sua obra.
A diretora que irá conduzir as filmagens, porém, talvez fosse vetada pelo próprio Bergman. Os dois eram inimigos declarados e se comportavam de forma hostil um com o outro até a morte do diretor, em 2007. Isto porque Bergman, apesar de seu cinema de grandes personagens femininas, era visto como tradicionalista e patriarcal, enquanto Suzanne Osten foi uma das fundadoras do movimento Grupo 8, coletivo feminista radical.
Além disso, os dois também tiveram conflitos pessoais. A mãe de Suzanne, crítica de cinema e cineasta, havia trabalhado com Bergman em um de seus primeiros filmes, mas não conseguiu progredir numa indústria dominada por homens. O primeiro filme de Suzanne, “Mamma”, narra sua luta nesse meio, e retrata Bergman de forma pouco lisonjeira.
Em 1990, quando lançou “The Guardian Angel”, Suzanne ganhou prêmios em vários festivais, mas não conseguiu nenhuma das oito estatuetas a que concorria no Festival de Glasgow. Bergman era o presidente do júri e ela atribui a ele sua derrota. Logo depois, a cineasta mandou uma longa carta atacando o diretor.
Segundo Suzanne, Bergman teria dito a um amigo em comum para não trabalhar com ela. “Não chegue perto dela, eu vou dar um tiro nela”, teria dito o cineasta.
O roteiro foi parar nas mãos de Suzanne de forma curiosa. E sem o seu envolvimento, talvez ele nunca fosse filmado.
É que a ideia original se limitava à transformação do texto numa radionovela, a ser gravada em comemoração ao centenário de Bergman, em 2018. Como o diretor do departamento de drama da rádio nacional da Suécia, Sveriges Radio, era ex-aluno de Suzanne, ele ofereceu a tarefa de dirigir a versão radiofônica para a ex-professora, sem saber a fundo os problemas entre os dois cineastas.
Contra todas as expectativas, Suzanne adorou o texto e decidiu ir além, adaptando a obra também para o cinema. “No começo, eu estava um pouco relutante”, contou a cineasta ao jornal The Guardian. “Eu tinha zero ideia do que era. E então eu fiquei muito entusiasmada quando li. Eu gritei na hora: uau! Ele foi feminista por 64 minutos!”.
Muitos dos roteiros do cineasta sueco não chegaram a ser filmados, mas “Sessenta e Quatro minutos com Rebecka” se mantinha desconhecido mesmo dos mais dedicados estudiosos da obra do mestre sueco, segundo o Instituto Bergman.
O roteiro finalmente se tornar conhecido por ocasião da radionovela, que irá ao ar no dia 6 de novembro. Já o lançamento do longa metragem está previsto para 2018, quando será comemorado o centenário de Bergman.