Nicolás Avruj é argentino de origem judaica. Sua família, de perfil progressista, preserva tradições de ideais judaicos, como o sionismo, que fizeram parte de sua educação. Aos 16 anos de idade, Nicolás ganhou uma viagem para conhecer Israel e, anos mais tarde, quis aprofundar o conhecimento daquela realidade, ficando mais tempo por lá e explorando o que não tinha visto ou entendido.
A oportunidade surgiu em 2000, a propósito de visitar um primo que estava vivendo temporariamente em Tel Aviv. Só que, enquanto ele voava para lá, o primo voltava para a Argentina. De modo que o plano não vingou.
Nicolás não se deu por achado, ficou cerca de três meses em viagem exploratória, arrumando jeitos de se hospedar, realizando pequenos trabalhos para bancar a viagem e, empunhando permanentemente sua câmera, foi conhecer tudo o que podia, tanto de Israel quanto da Palestina.
Para começar, não se apresentava como judeu, mas como argentino, simplesmente. Isso lhe permitiu conviver com palestinos na Faixa de Gaza, inclusive aceitando hospedagem na casa deles. Pôde conhecer as condições de vida, o cotidiano, os sentimentos e os valores que os movem. Entender o posicionamento da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), então regida por Yasser Arafat, e até filmar uma assembleia do Hamas. E também constatou o medo, a opressão, a revolta, o ódio, que estão presentes na vida daquele povo.
Por outro lado, conviveu com judeus ortodoxos, com os de pensamento radical militarista, com os críticos da política do governo de Israel daquele momento, com uma jovem que visita casas de palestinos, como ele fez. Ou seja, de todos os matizes. Além dos pouco informados sobre a realidade dos palestinos.
O que ele registrou ao longo desses meses é de uma preciosidade incrível, é um relato veraz de um conflito que parece eterno e insolúvel. As imagens passeiam por Tel Aviv, Jerusalém e seus diversos lados e contextos, Cisjordânia e Gaza, revelando a coragem e a audácia do cineasta argentino. Ele atravessou os muros da incompreensão e pôs em xeque a relação entre o bem e o mal, com uma honestidade admirável.
De posse desse vasto material colhido, que chega a registrar a Segunda Intifada, ele não pôde trabalhar com isso de imediato. Era forte e impactante demais. Só quinze anos depois foi possível editar tudo isso, para produzir o documentário “Nós, Eles e Eu”, que acaba de ser lançado nos cinemas. É um trabalho incrível, que merece ser conhecido.
Quando alguém pergunta hoje ao cineasta de que lado ele está, de Israel ou da Palestina, isso é o que mais o incomoda. As coisas não são assim e não é possível responder essa pergunta, é sua convicção. Vendo o filme, percebe-se o impacto que causou nele, e causa em nós, espectadores, tudo aquilo. Claro que só é possível desejar a paz, mas como, diante de tudo o que ele nos mostra?