Giovanni Boccaccio (1313-1375) e seu “Decamerão”, com 100 histórias escritas entre 1348 e 1353, marcam uma ruptura com a moral medieval e introduzem um realismo humanista, em que a sexualidade e a perversidade ocupam papel de relevo. Atraente e polêmico material, marco da literatura, um dos responsáveis pela fixação do idioma italiano, foi objeto da atenção dos melhores cineastas da Itália.
Em 1962, o filme “Boccaccio 70”, com quatro episódios, reuniu Federico Fellini, Luchino Visconti, Vittorio De Sica e Mario Monicelli numa comédia antológica. Em 1971, foi a vez de Pier Paolo Pasolini filmar “Decameron”, com absoluto destaque para o erotismo. Outro grande trabalho cinematográfico. Agora é a vez dos irmãos Taviani, dupla brilhante de cineastas, contarem histórias livremente inspiradas no “Decamerão” de Boccaccio.
A primeira coisa a apontar sobre esse filme dos irmãos Taviani é que ele é de uma beleza ímpar. Filmado na Toscana e Lazio, em lugares encantadores e envolvendo antiquíssimos castelos de até mil anos de idade, nos leva diretamente à cena medieval. A variação das cores e tonalidades se alterna para melhor expressar as diferentes situações contadas pelos narradores. Um elenco jovem, de belas moças e rapazes, contribui para a estética da obra, de maneira relevante. Assim, podemos dizer que “Maravilhoso Boccaccio” é em tudo e por tudo um filme sedutor.
As histórias escolhidas e o tom com que são mostradas enfatizam o amor em seus múltiplos ângulos: do grotesco ao dramático e ao erótico, como antídoto para a morte, às vezes cruel e opressor, às vezes ingênuo e equivocado.
A criação artística, a literatura, mostra os caminhos da imaginação, absolutamente essencial e necessária para enfrentar o mal, a tragédia, no caso, aqui, a peste negra, que devastava as cidades da Toscana na época em que Boccaccio escreveu.
Um grupo de homens e mulheres jovens se refugia numa vila remota, nas colinas que cercam Florença, para escapar da peste e viver em comunidade com absoluta simplicidade, contando histórias uns para os outros. A imaginação é a seiva da vida desses jovens, em especial das mulheres, que tomam a dianteira da ação, a começar por decidir deixar a cidade, talvez numa proposta de vida imoral. Mas o que é a moral, diante da grandeza do amor e da própria sobrevivência?