Último filme exibido na competição do Festival de Cannes, “The Salesman” (Forushande), do iraniano Asghar Farhadi, também se foca na violência sexual contra uma personagem feminina. Mas num contexto completamente diferente do elogiado “Elle”, de Paul Verhoeven.
O novo drama do diretor de “A Separação” (2011), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e de “O Passado” (2013), que rendeu à Bérénice Bejo o prêmio de melhor atriz em Cannes, volta a falar sobre os dilemas morais do Irã moderno. O fio condutor é uma história de mistério e vingança, que envolve um casal de atores de uma montagem local da peça “A Morte do Caixeiro Viajante” de Arthur Miller.
Após serem forçados a abandonar seu prédio devido a uma obra, Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) se mudam temporariamente para um apartamento no centro de Teerã, antes ocupado por uma moradora de comportamento “promíscuo”. Certa noite, o lugar é invadido e a mulher é atacada enquanto toma banho. Temendo por sua privacidade, ela se recusa a procurar a polícia, o que provoca uma mudança de comportamento no então sereno marido. A tensão se eleva e afeta o relacionamento do casal, prejudicando até o trabalho de Emad como professor e a peça na qual os dois atuam.
O diretor, que estudou teatro antes de se envolver com cinema, confessou que se sentiu voltando às origens ao filmar o mundo teatral, e que a história de Emad e Rana traça um paralelo com a dos protagonistas de “A Morte do Caixeiro Viajante”, que ambos encenam no palco.
“Há tempos queria fazer um filme sobre uma peça de teatro”, disse o cineasta, durante a entrevista coletiva do festival. “A peça fala de personagens que tentam se encaixar em um mundo em transformação. O texto de Arthur Miller conta a história de homens e mulheres que não conseguem acompanhar as mudanças que estão acontecendo em Nova York nos anos 1940 e 1950. Emad e Rana também estão procurando seu lugar na sociedade iraniana, que está sedenta por modernidade. Eles não conseguem se adaptar aos novos tempos”, comparou.
As comparações entre a vida real e a ficção teatral embutem na narrativa a discussão dos valores conservadores no Irã. “É fácil ver os conflitos anacrônicos. A escola em que Emad trabalha, por exemplo, ainda separa meninos de meninas. Eles vivem a dicotomia do país”, descreveu o diretor.
Farhadi já havia trabalhado com Taraneh Alidoosti e Shahab Hosseini em “À Procura de Elly” (2009), o filme com o qual chamou atenção internacional, premiado no Festival de Berlim, e que era outra parábola moral, disfarçada de história de mistério. E os intérpretes conferem convicção a cada fotograma, enquanto a trama avança em ritmo firme para o suspense intenso.