Os relatos de dois cientistas e exploradores da região amazônica são a base do roteiro do filme colombiano “O Abraço da Serpente”, dirigido por Ciro Guerra. O etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg (1862-1924) explorou a região amazônica da América do Sul e estudou os povos da floresta. Morreu no Brasil, na cidade de Boa Vista. O botânico norte-americano Richard Evans Schultes (1915-2001) explorou a mesma região, interessado especialmente em uma planta, descoberta e citada nos relatos de Koch-Grünberg: a yakruna.
Que sentido tem hoje para todos nós a busca por uma planta divina que cura e ensina a sonhar? Essa foi a razão de ser de uma expedição científica. Mas a yakruna, na realidade, simboliza a própria existência de, pelo menos, um povo indígena que está desaparecendo. O resgate do conhecimento dos povos na floresta, intimamente relacionado à vivência com a selva, sua água, seus animais, sua multiplicidade de plantas, envolve uma questão cultural, antropológica, da maior relevância.
“O Abraço da Serpente” contribui para valorizar tudo isso, apontar para o que está sendo perdido e o que ainda pode ser recuperado, por meio de um personagem indígena que é o centro da narrativa. Ele surge, primeiro em sua juventude, como último sobrevivente de seu povo, vivendo isolado selva adentro. Desconfiado e crítico, por razões óbvias, do homem branco e da exploração da borracha, que trouxe a desgraça e dizimou seu povo. Depois, em outro tempo, como um xamã esquecido, perdido na sua mata, vivendo problemas de identidade em decorrência das faltas de referência e de memória.
Nos dois tempos, há o convívio complexo e conflitivo com os cientistas exploradores. E também a possibilidade de aprender com brancos que não desejam destruir os aborígenes ou explorá-los, mas conhecê-los, valorizá-los, divulgar seus conhecimentos.
A narrativa se desenvolve na forma de uma aventura, que traz perigos, desencontros e vai revelando o que se encontra nessa floresta: o que resta de seus povos de origem, a exploração a que estão expostos, o uso religioso equivocado e autoritário, encontrado em alguns locais. Com direito a manifestações tresloucadas e messiânicas, que não libertam, oprimem.
A natureza é exuberante, evidentemente. E bem explorada nessa aventura. Uma bela fotografia em preto e branco se encarrega de ressaltá-la. O nosso anseio estético pediria que o filme fosse a cores. Seria ainda mais atraente. Poderia se tornar mais exótico, turístico e não tão propenso ao uso reflexivo? Não creio. Em dois momentos, no início e no fim do filme, imagens de formas geométricas a cores são inseridas. Remetem ao futuro? À passagem do tempo?
Sem dúvida, o tempo joga um papel relevante em “O Abraço da Serpente”. Coisas, lembranças, memórias, são levadas pelo tempo. Povos inteiros se desfazem e desaparecem, ao longo do tempo. Pela ação predatória dos seres humanos, toda uma tradição e uma identidade tendem a desaparecer. Se considerarmos que metade da superfície da Colômbia está na região amazônica, há aí uma forte perda do próprio significado de nacionalidade.
O elenco de “O Abraço da Serpente” nos leva para dentro dessa dimensão amazônica, como se estivéssemos fazendo parte daqueles povos e dos exploradores que vêm do mundo desenvolvido, em busca de sua cultura. É um desempenho muito convincente.
Trata-se de uma experiência que vale a pena e mostra a força do cinema colombiano atual. Premiado nos festivais de Cannes e Sundance, “O Abraço da Serpente” está entre os cinco finalistas do Oscar 2016 de Melhor Filme Estrangeiro, o que é um reconhecimento importante, em termos de mercado.