Morreu o ator e roteirista britânico Colin Welland, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original por “Carruagens de Fogo” (1981). Welland , que sofria do mal de Alzheimer há vários anos, faleceu na segunda-feira (2/11), aos 81 anos, durante o sono, anunciou sua família.
Ele nasceu Colin Williams em Lancashire, na Inglaterra, em 4 de julho de 1934, filho de um estivador, e estudou para se tornar professor de Artes Dramáticas em Manchester. Após as aulas, costumava ir a um bar frequentado por funcionários da Granada TV, o canal 3 do Norte da Inglaterra, na esperança de conseguir um emprego na produção de séries. Ironicamente, acabou conhecendo e integrando uma trupe de teatro, que lhe rendeu, após aparecer em algumas peças, convite para atuar numa nova e revolucionária série policial exibida no canal.
Sua estreia na TV foi como um dos detetives coadjuvantes de “Z Cars”, drama policial passado no Norte da Inglaterra, com sotaques até então pouco ouvidos na televisão britânica. A trama girava em torno de patrulhas de carros da polícia e marcou época por seu realismo social, explorando a criminalidade derivada do desemprego, ao mesmo tempo em que apresentava um retrato pouco simpático das autoridades. Colin participou das cinco temporadas originais da produção, em 87 episódios exibidos entre 1962 e 1965.
Logo depois, foi convidado a estrear no cinema por ninguém menos que Ken Loach, encantando a crítica com seu papel em “Kes” (1969), um dos filmes mais célebres do cineasta inglês. Welland venceu o BAFTA (o Oscar britânico) de Melhor Ator Coadjuvante por interpretar o único professor simpático da trama, que incentivava o jovem protagonista, um estudante pobre e vítima de bulling, cujo único amigo era um falcão.
Após aparecer como um pastor em outro clássico de outro mestre do cinema, o ultraviolento “Sob o Domínio do Medo” (1971), de Sam Peckinpah, ele passou a escrever roteiros de TV. Assinou muitos teleteatros para a BBC, deixando a carreira de ator um pouco de lado. Ainda assim, pôde ser visto em “O Vilão” (1971), no filme derivado da série “Sweeney!” (1977) e como um dos protagonistas da série de comédia “Cowboys” (1980-1981), entre outras aparições, cada vez mais raras.
Logo escreveu seu primeiro roteiro de cinema, “Os Yankees Estão Voltando” (1979), dirigido por John Schlesinger. O drama, sobre relacionamentos entre soldados americanos e a comunidade britânica durante a 2ª Guerra Mundial, rendeu-lhe uma indicação ao BAFTA de Melhor Roteiro.
A repercussão positiva o inspirou a escrever outro drama histórico, sobre dois atletas britânicos, que superaram diferenças de classe e religião para formar um time imbatível nos Jogos Olímpicos de Paris em 1924.
Dirigido por Hugh Hudson, “Carruagens de Fogo” (1981) foi indicado a sete Oscars. Venceu quatro, incluindo Melhor Filme e Roteiro Original, escrito por Welland. Além disso, consagrou imagens e uma trilha sonora, assinada por Vangelis, que passaram a representar o espírito olímpico dali em diante. Tanto que, 30 anos depois, a abertura dos Jogos Olímpicos de Londres rendeu-lhe homenagem em 2012.
Curiosamente, o filme era tido como azarão no Oscar de 1982. Dramas britânicos não venciam o prêmio de Melhor Filme desde “Oliver”, em 1968. Além disso, a crítica estava dividida desde sua première no Festival de Cannes. Na ocasião, Roger Ebert, fã da produção, juntou os críticos americanos para dar ao filme um prêmio especial, separado dos críticos internacionais, que estavam sendo influenciados pelo repúdio dos franceses à forma como o roteiro tratava seu país. Parte das resenhas americanas também preferiu desdenhar a trama, considerada britânica demais.
“A reação a ‘Carruagens de fogo’ na América foi a seguinte: quem quer ouvir a história de dois atletas de 1924?”, lembrou Welland, em um artigo de 2001. “Quando exibimos em Twickenham, um produtor de Hollywood deixou a sala depois de dez minutos. No fim, ele voltou e disse que não tinha interesse. Quando nós ganhamos quatro Oscars, não sei onde ele se escondeu”.
Welland também fez história ao receber seu prêmio, rendendo, com seu discurso, um dos grandes momentos do Oscar. Com a estatueta nas mãos, ele bradou “Os britânicos estão chegando!”, alusão a uma conhecida frase da revolução americana, mas também um prenúncio certeiro do que viria. Depois da vitória de “Carruagens de Fogo”, os longas britânicos deixaram de ser azarões, tornando-se favoritos a acumular troféus da Academia de Artes e Ciências de Hollywood.
O sucesso também cercou seu próximo trabalho de expectativas. Mas Welland experimentou bloqueio criativo e levou anos para materializar seu roteiro seguinte, “Duas Vezes na Vida”, que só chegou aos cinemas em 1985. A história de infidelidade conjugal, estrelada por Gene Hackman, Ellen Burstyn e Ann-Margret, chegou a ser especulada para o Oscar, mas o próprio escritor implodiu suas chances de indicação, ao admitir que tinha adaptado a ideia de um antigo roteiro televisivo feito para a BBC em 1973.
Ele nunca mais conseguiu repetir o sucesso de “Carruagens de Fogo”. Pior que isso, dos dez novos roteiros que escreveu, só dois viraram filmes. Para aumentar a injúria, o script de um deles, “Assassinato Sob Custódia” (1989), sobre as crueldades do apartheid em África do Sul, foi totalmente modificado pela diretora, a francesa Euzhan Palcy.
Seu último roteiro de cinema foi a versão britânica de “A Guerra dos Botões” (1995) , refilmagem do clássico francês homônimo de 1962, por sua vez baseado no romance de Louis Pergaud, sobre a rivalidade brutal das crianças de duas vilas vizinhas.
Sua maior frustração foi nunca ter conseguido tirar do papel o roteiro sobre a história das locomotivas a vapor, uma invenção do engenheiro Robert Stephenson. “Os produtores americanos disseram que era mais ‘Carruagens de Fogo’ e não se interessaram. Mas era um drama histórico fantástico. Robert Stephenson não sabia ler e escrever, mas foi o maior engenheiro de sua geração. Ele tinha o mundo contra ele e precisou lutar contra os esnobes para realizar uma revolução industrial. E quanto mais eu tentava explicar, mais ouvia: ‘É mais ‘Carruagens de Fogo’”.
Sem conseguir emplacar seus roteiros, ele voltou a aparecer como ator em algumas produções televisivas dos anos 1990. Sua última interpretação foi ao ar na série “Bramwell”, em 1998. Logo depois, viria o Alzheimer. “Alzheimer é uma doença cruel, e passamos por momentos difíceis. Mas, no fim, Colin morreu em paz durante o sono. Temos orgulho das conquistas dele ao longo da vida, mas — acima de tudo — vamos sentir falta do amigo, marido, pai e avô amoroso”, disse sua esposa Patricia. Os dois eram casados desde 1962.