Mais de 100 entidades defendem lei do streaming, atacada por fake news bolsonaristas

Chamada de "PL da Globo" por políticos da direita, projeto de lei é fundamental para a produção de filmes e séries brasileiras

Unsplash - Glenn Carstens-Peters

Um grupo de mais de 100 entidades do setor audiovisual, além de sindicatos e festivais de cinema, elaborou uma carta aberta a favor da aprovação de um projeto de lei (PL) que regula o setor de streaming. Nos últimos dias, perfis bolsonaristas se mobilizaram para impedir a votação do Projeto de Lei 8.889/2017, que batizaram de “PL da Globo” numa série de fake news publicadas nas redes sociais.

As fake news

O projeto de lei, de autoria do ex-deputado federal e atual ministro do Desenvolvimento Agrário Paulo Teixeira (PT-SP), entrou na pauta da votação da Câmara dos Deputados na última terça-feira (14/5), mas, diante da reação negativa dos parlamentares bolsonaristas, acabou não sendo apreciado. No dia da votação, a hashtag #PLdaGloboNao alcançou o 2º lugar nos trending topics do Twitter, com 364 mil menções.

Comentários associados ao tópico, feitos geralmente em tom de militância histérica, dizem que a lei obriga os aparelhos de TV a priorizar a Globo, exige produção de conteúdo “esquerdista”, cria mais uma taxa para o povo pagar e não passa de uma cobrança feita para prejudicar a Netflix e ajudar a Globo. Alguns extrapolam tanto que acusam o PL de ser uma reedição disfarçada do PL das Fake News, em uma tentativa de censurar a internet.

Em publicação no X (antigo Twitter), o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos mais exaltados, mentiu que o PL vai contra contra a “liberdade de influenciadores, jornalistas, produtores de conteúdo, YouTubers, humoristas, roteiristas de filmes”.

Nada disso é verdade. O texto não faz menção aos usuários, nem na condição de audiência e nem como produtores de conteúdo. Ele trata apenas de equilibrar a taxação do setor audiovisual e incentivar empresas de streaming a produzirem mais séries e filmes nacionais.

“PL da Globo” não

Entretanto, as plataformas não querem perder sua vantagem e criticam o projeto, incentivando os bolsonaristas. Elas acusam a lei de ter sido feita sob medida para a Globo, pois permite às empresas de streaming ligadas à radiodifusão do país, como é o caso do Globoplay, reduzir a zero sua contribuição. Elas também são contra as cotas para conteúdo brasileiro nas plataformas de streaming – isto é, ter que exibir mais séries e filmes nacionais.

A acusação de que o PL favorece a Globo se baseia no incentivo para a produção nacional. No caso das empresas que têm ao menos 50% do catálogo composto por conteúdos brasileiros, chamadas de provedores plenos, o valor da alíquota será reduzido pela metade, passando para 3%. Além disso, a alíquota pode chegar a zero no caso dos provedores plenos que investirem o valor da alíquota em produções de conteúdo audiovisual nacionais, capacitação de mão de obra voltada para a cadeia produtiva do Brasil e implantação de infraestrutura para o mercado nacional.

O caso serve, sim, para isentar a Globoplay, mas também o PlayPlus, da Record TV. No entanto, não isenta a Globo e a Record, que continuarão pagando a contribuição em outras janelas – TV aberta e TV paga.

Outras mentiras rebatidas

Na carta, as associações rebatem as críticas e afirmam que o PL propõe uma “contribuição justa”. “Contrariando as desinformações que circulam, este projeto não impõe censura nem beneficia apenas grandes conglomerados nacionais. Ele cria oportunidades para ampliação da indústria brasileira, incluindo a ampla gama de pequenas e médias empresas nas 27 unidades da federação”, diz o texto.

A importância da lei

“Estamos diante de uma oportunidade de transformar significativamente a economia criativa brasileira”, afirma o manifesto das entidades, que é endereçado aos deputados negacionistas da Casa. O documento diz que a proposta tem como objetivo “promover a concorrência justa, evitar monopólios e equilibrar o campo de atuação entre as empresas brasileiras e gigantes estrangeiros do setor de entretenimento”.

O texto da lei estende a cobrança da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), que já é feita sobre a TV, para as plataformas, que será de até 6% sobre a receita bruta anual das empresas no Brasil. Os recursos dessa contribuição são fundamentais para a produção de novos filmes e séries brasileiras, já que compõem o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), de fomento ao setor.

O outro ponto destacado é a criação de cotas de programação nacional no streaming. A cota indicada no texto é de 10% do total de conteúdo das plataformas, que deverá ser ocupado por produções brasileiras escolhidos pelas próprias empresas digitais, de acordo com cada perfil. Até metade disso pode ser feito através de licenças adquiridas diretamente com as produtoras independentes. O limite terá cinco anos para ser alcançado – 2% a mais a cada ano.

O documento que pede a aprovação urgente do PL é assinado por entidades nacionais, como a Associação Brasileira de Cinematografia e a União Nacional de Produtores Executivos, e regionais, a exemplo da Associação Brasileira de Cineastas do Rio de Janeiro e da Associação Paulista de Cineastas, além do Festival de Cinema de Gramado, o Festival do Rio, Cine BH e a Mostra de Cinema de Tiradentes. Para essas entidades, a aprovação simbolizará um compromisso com a justiça econômica, a inovação e o desenvolvimento da indústria, reconhecendo a importância vital dos trabalhadores do audiovisual para a identidade e prosperidade do Brasil.

O documento também aponta como a aprovação poderá ajudar o Rio Grande do Sul, terceiro maior polo produtor audiovisual do país, com incentivos para manter sua economia criativa vibrante.

Íntegra do documento

Confira a carta na íntegra:

“O Brasil encontra-se diante de uma oportunidade histórica que pode moldar o futuro econômico e cultural do nosso país. Estamos diante de um projeto crucial que busca isonomia regulatória, incentivar nossa economia, ampliar mercado, gerar empregos, e assegurar que as riquezas geradas em nosso território beneficiem o povo brasileiro. Promover a concorrência justa, evitar monopólios, e equilibrar o campo de atuação entre as empresas brasileiras e gigantes estrangeiros do setor de entretenimento.

O Projeto de Lei 8889/2017 traduz em grande parte os pontos principais de nossa defesa – que estão expressos na Moção 01/2024 do Conselho Superior do Cinema, composto por representantes do governo, incluindo distintos Ministérios, e sociedade civil, representando nossa indústria.

O Brasil é um dos maiores mercados consumidores no mundo, reconhecido por seu potencial criativo e econômico. A indústria audiovisual conta com quase 18.000 empresas registradas na Ancine, gera mais de 650 mil empregos, uma receita de R$ 60 bilhões anuais com tributos da ordem de R$ 7 bilhões, beneficiando diretamente setores tão diversos quanto alimentos, transportes, restaurantes, hotéis, eventos, tecnologia, música e moda. No entanto, enfrentamos um lobby intenso e milionário de grandes corporações estrangeiras que buscam minar nossos esforços para proteger nossa economia, nossos empregos, e nossa soberania. Eis que o desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira, alicerçado em quase cem anos de política institucional de Estado, agora está ameaçado pela falta de regulação desse segmento.

É essencial esclarecer que o PL 8889/2017 visa proteger e desenvolver milhares de empresas e empregos brasileiros. Potencializar a geração de riqueza e oportunidades que podem beneficiar toda a sociedade, inclusive no estado do Rio Grande do Sul, considerado a terceira maior indústria audiovisual do país e que, logicamente, tem sido foco de debates devido às inundações.

Este projeto de lei propõe uma estrutura de contribuição justa, onde as plataformas de streaming contribuem efetivamente com a indústria audiovisual do país. A legislação visa garantir que o consumidor brasileiro receba um serviço de qualidade, protegido e com uma multiplicidade rica de conteúdo, permitindo liberdade de escolha que reflita a vasta cultura do nosso país. Contrariando as desinformações que circulam, este projeto não impõe censura nem beneficia apenas grandes conglomerados nacionais. Ele cria oportunidades para ampliação da indústria brasileira, incluindo a ampla gama de pequenas e médias empresas nas 27 unidades da federação.

Estamos diante de uma oportunidade de transformar significativamente a economia criativa brasileira. A aprovação do PL 8889/2017 simbolizará nosso compromisso com a justiça econômica, a inovação, e o desenvolvimento da indústria, reconhecendo a importância vital de nossos trabalhadores para a identidade e prosperidade do Brasil.

Solicitamos que o(a) senhor(a) considere o impacto positivo que este projeto trará para nosso país. Apoiar o PL 8889/2017 é apoiar o futuro do Brasil, protegendo nossa identidade cultural e assegurando que continuemos a ser uma nação vibrante e influente no cenário global. Agradecemos o seu compromisso em defender os interesses do Brasil e de seu povo”.