Ziraldo, criador do Menino Maluquinho, morre aos 91 anos

Da literatura infantil ao cartum político, o artista mineiro marcou a cultura do Brasil com sete décadas de obras inspiradas

Instagram/Ziraldo Produções

O grande artista Ziraldo Alves Pinto faleceu neste sábado (6/4), aos 91 anos. O anúncio foi feito Instituto Ziraldo, que não divulgou a causa da morte do cartunista, escritor e jornalista. Reconhecido por sua vasta contribuição à cultura brasileira, Ziraldo foi uma figura emblemática, que marcou a literatura infanto-juvenil com a criação do Menino Maluquinho, mas também deixou um legado com seus cartuns políticos e diversas adaptações de sua obra para o cinema, TV e streaming.

Quadrinista pioneiro

Nascido em 24 de outubro de 1932, em Caratinga, Minas Gerais, Ziraldo mostrou talento para o desenho desde cedo, publicando seu primeiro trabalho em um jornal local aos seis anos. Inspirado por quadrinhos como “O Fantasma” e nas histórias do “Sítio do Picapau Amarelo”, criou a “Turma do Pererê”, publicada primeiramente em cartuns em 1959 nas páginas da revista O Cruzeiro.

Os quadrinhos se passavam na floresta fictícia “Mata do Fundão” e contavam as aventuras de Pererê, o líder da turma, e seus amigos. Com o sucesso, os personagens ganharam a primeira revista brasileira em quadrinhos publicada totalmente a cores, no começo dos anos 1960. Entretanto, o sucesso durou pouco, porque o golpe militar de 1964 pôs fim à publicação.

Mh2>Resistência política

Como forma de reagir à censura, Ziraldo tornou-se um dos fundadores de O Pasquim, um símbolo da resistência cultural contra o regime militar no final dos anos 1960. O jornal ficou conhecido por seus textos ácidos, ilustrações debochadas e quadrinhos inesquecíveis. Quase toda a equipe do tabloide, incluindo Ziraldo, foi presa em algum momento, e o próprio Ziraldo foi detido três vezes.

Mas sua luta não se restringiu às páginas do Pasquim. Ele fazia cartuns políticos até da revista Cláudia, dedicada ao público feminino, onde publicava as histórias da protetora Supermãe, uma crítica ao conservadorismo. Nesta fase, também criou Jeremias, o Bom, publicado na revista O Cruzeiro, em que o bom samaritano do título fazia tiradas sarcásticas contra o autoritarismo. Anos depois, Ziraldo disse que “os donos da revista custaram a descobrir que o Jeremias estava fazendo as maiores gozações com a ditadura”.

A luta contra a ditadura o aproximou dos diretores do Cinema Novo, fazendo com que fosse convidado para criar cartazes de filmes clássicos do período, como “Os Fuzis” e “Os Cafajestes” (ambos de Ruy Guerra), “Assalto ao Trem Pagador” (Roberto Farias) e “Todas as Mulheres do Mundo” (Domingos de Oliveira). Ele também atuou em filmes como “Esse Mundo é Meu” (1964), “Garota de Ipanema” (1967) e “Quatro Contra o Mundo” (1970).

Durante o final dos anos 1960, Ziraldo começou a ter seus trabalhos publicados em revistas internacionais, além de vencer um prêmio de humor no 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e se tornar o primeiro artista latino-americano a ser convidado para criar um cartaz de Natal para a Unicef.

O sucesso com o público infantil

Ziraldo estreou na literatura infantil em 1969 com “Flicts”, um livro que rapidamente se tornou um clássico. Flicts é o nome de uma cor, que é muito rara e diferente. Por isso, Flicts não consegue se encaixar no arco-íris, nas bandeiras e em lugar nenhum, e ninguém, a princípio, reconhece seu merecido valor. A história era uma metáfora poderosa sobre a importância de sermos nós mesmos, de valorizarmos as diferenças e de celebrarmos a diversidade.

Onze anos depois, ele lançou “O Menino Maluquinho”, que até 2020 já havia vendido 4 milhões de exemplares apenas no Brasil e foi traduzido para mais de 10 idiomas. O livro de 1980 contava a história de um menino alegre, sapeca, cheio de imaginação e que adorava aprontar e viver aventuras com os amigos. O personagem que sempre aparecia com sua característica panela na cabeça se tornou amado por crianças e adultos, ganhando diversas adaptações em outros meios.

As adaptações de cinema, TV e streaming

O primeiro filme foi lançado em 1995 e o segundo, intitulado “Menino Maluquinho 2 – A Aventura”, chegou aos cinemas em 1998. A criação mais famosa de Ziraldo também virou série: “Um Menino Muito Maluquinho”, exibida na TV Cultura e no Disney Channel em 2006. Mais recentemente, em 2022, o personagem do cartunista virou série animada da Netflix, marcando a primeira vez que a história do Menino Maluquinho foi transformada em animação.

A obra de Ziraldo ainda inspirou um especial de “A Turma do Pererê”, exibido em 1983 na Globo, e uma série dos mesmos personagens, levada ao ar entre 2002 e 2004 na TVE Brasil e TV Cultura, com uma 2ª temporada produzida em 2010. Outro livro da vasta biblioteca do autor rendeu a comédia “Uma Professora Muito Maluquinha”, que foi sucesso duas vezes, numa primeira adaptação televisa de 1996 e na versão de cinema de 2010 – que contou com participação do próprio artista no elenco.

Problemas de saúde

Na última década, a saúde Ziraldo foi marcada por desafios. Em 2013, ele sofreu um infarto leve enquanto estava em Frankfurt, na Alemanha, e foi submetido a um cateterismo. No ano seguinte, foi internado novamente para exames após passar mal. Em 2018, Ziraldo sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico, que o deixou internado por um período. Depois disso, o autor ficou recluso e pouco apareceu em público.