Kenneth Anger, pai do cinema queer, dos clipes e literatura de fofoca, morre aos 96 anos

O cineasta Kenneth Anger, um dos pioneiros do cinema de vanguarda e diretor do cultuado e influente “Scorpio Rising” (1963), morreu aos 96 anos. A notícia foi confirmada em uma nota no […]

Instagram/Kenneth Anger

O cineasta Kenneth Anger, um dos pioneiros do cinema de vanguarda e diretor do cultuado e influente “Scorpio Rising” (1963), morreu aos 96 anos. A notícia foi confirmada em uma nota no site da galeria de arte Spruth Magers, administrada pelas negociantes de arte alemãs Monika Sprüth e Philomene Magers. A causa e a data da morte não foram divulgadas.

No texto, Monika e Philomene homenagearam o profissional. “Kenneth foi um pioneiro. Sua genialidade cinematográfica e influência perdurarão e continuarão a transformar todos aqueles que se deparam com seus filmes, palavras e visão”, afirmaram. Elas ainda mencionaram que Anger “considerava a projeção cinematográfica um ritual psicossocial capaz de liberar energias físicas e emocionais”. Para a galeria Spruth Magers, o trabalho de Kenneth Anger “moldou a estética das subculturas dos anos 1960 e 1970, o léxico visual da pop, dos videoclipes e da iconografia queer”.

Nascido em Santa Mônica em 1927, Anger produziu mais de 30 curtas-metragens entre 1927 e 2013, e fez o primeiro deles aos dez anos de idade. Um dos primeiros cineastas americanos abertamente gays, ele ficou conhecido por explorar temas eróticos e homossexualidade várias décadas antes do sexo gay ser descriminalizado nos Estados Unidos. Anger ganhou reconhecimento por “Fireworks” (1947), considerado o primeiro filme gay dos EUA. Filmado em sua terra natal Beverly Hills enquanto seus pais estavam ausentes em um final de semana, a obra foi um escândalo e o levou aos tribunais acusado de obscenidade.

Mais tarde, o cineasta se mudou para a França e teve uma imersão no cenário avant-garde, que inspirou seus trabalhos “Eaux d’Artifice” (1953) e “Rabbit’s Moon” (1950). Depois de voltar para os Estados Unidos em 1953, ele produziu os filmes “Inauguration of the Pleasure Dome” (1954) e principalmente “Scorpio Rising” (1963), estrelado por Bruce Byron (“O Retorno da Múmia”).

O filme mais conhecido de Anger era uma visão fetichista de uma gangue de motociclistas do Brooklyn, filmada sem diálogos e entrecortada por colagens – de quadrinhos a filmes – , tudo ao som de uma trilha sonora de sucessos pop, que tocava sem parar – hits de Elvis Presley, Ricky Nelson e Ray Charles, entre outros. Seu impacto hipnótico provou que música e imagem podem ser combinados para criar algo diferente do cinema comercial. E, por conta disso, “Scorpio Rising” tornou-se amplamente considerado como o início da era dos videoclipes. Além disso, a influência de seu uso pioneiro de trilha pop pode ser sentida em filmografias tão diferentes quanto as de Martin Scorsese, Quentin Tarantino e David Lynch – por sinal, o hit de Bobby Vinton que batiza o filme “Veludo Azul” de Lynch fazia parte da seleção musical de “Scorpio Rising”.

Pai dos clipes, do cinema queer e, em seus últimos anos, aclamado também como pai da cultura do remix, as inovações de Anger, que hoje fazem parte do mainstream, causaram choque e revoltaram os conservadores de sua época. Mas chocar sempre foi seu objetivo, o que o tornou uma figura conhecida e controversa do movimento contracultural dos anos 1960.

Anger era um satanista assumido, que organizava rituais com celebridades – e fez até um filme em homenagem ao diabo, “Lucifer Rising” (1972). Mas também foi uma figura pop, íntimo de outras personalidades contraculturais da época, incluindo Mick Jagger e Keith Richards dos Rolling Stones, Jimmy Page do Led Zeppelin e a cantora Marianne Faithfull, que por sinal atuou em “Lucifer Rising”.

Para completar, ele também inaugurou a literatura de fofocas ao lançar em 1959 o clássico “Hollywood Babylon”, no qual desvendou supostos escândalos envolvendo estrelas de Hollywood, desde Marilyn Monroe (“Os Homens Preferem as Louras”) até Judy Garland (“Nasce uma Estrela”) e Charlie Chaplin (“Tempos Modernos”). A obra enfrentou processos, sofreu descrédito e chegou a ser proibida logo após sua publicação. Mas ele lançou uma continuação do livro em 1984, após anunciar sua aposentadoria como cineasta. Kenneth voltou ao meio cinematográfico em 2000 e permaneceu dirigindo curtas-metragens até 2013.

Anger afirmou em uma entrevista de 2010 ao The Guardian que havia concluído a redação de uma terceira parte do livro, porém estava adiando sua publicação devido ao receio de possíveis repercussões. “A principal razão pela qual não o publiquei foi por ter uma seção inteira sobre Tom Cruise e os cientologistas”, disse ele. “Não sou simpático aos cientologistas”.

Em 2019, o podcast “You Must Remember This”, apresentado por Karina Longworth (do “The Rotten Tomatoes Show”), examinou as narrativas retratadas em “Hollywood Babylon” e pesquisou em outras fontes para obter relatos mais precisos. E muito do que tinha sido desacreditado acabou se provando verdadeiro.

Veja abaixo as versões integrais de “Fireworks”, “Scorpio Rising” e “Lucifer Rising”.