Robert Clary, ator de “Guerra, Sombra e Água Fresca”, morre aos 96 anos

O ator, cantor e sobrevivente do holocausto Robert Clary, conhecido pelo seu papel como soldado LeBeau na série clássica “Guerra, Sombra e Água Fresca”, morreu nessa quarta (16/11), na sua casa em […]

Divulgação/CBS

O ator, cantor e sobrevivente do holocausto Robert Clary, conhecido pelo seu papel como soldado LeBeau na série clássica “Guerra, Sombra e Água Fresca”, morreu nessa quarta (16/11), na sua casa em Los Angeles. Ele tinha 96 anos.

Clary era o último membro vivo do elenco principal de “Guerra, Sombra e Água Fresca”, série que marcou época nos anos 1960 e foi reprisada por muitos anos na TV brasileira.

Robert Max Widerman nasceu em 1 de março de 1926, em Paris. Era o mais novo de 14 filhos de uma família judeu-ortodoxa. Aos 12 anos de idade, começou a cantar e se apresentar. Porém, aos 16 anos, ele e sua família foram levados para morrer exterminados em Auschwitz.

“Minha mãe me disse uma coisa memorável”, Clary contou à revista The Hollywood Reporter em 2015. “Ela disse: ‘se comporte’. Ela provavelmente me conhecia como um pirralho. Ela disse: ‘Comporte-se. Faça o que eles dizem para você fazer.’”

Os pais de Clary foram assassinados na câmara de gás naquele dia.

Ele sobreviveu porque cantava com um acordeonista todos os domingos para uma plateia de soldados nazistas. “Cantando, me divertindo e gozando de boa saúde na minha idade, é por isso que sobrevivi”, disse ele.

Clary foi encarcerado por um total de 31 meses. Nesse tempo, trabalhou numa fábrica fazendo 4 mil saltos de sapato de madeira por dia e teve a identificação “A-5714” tatuada no seu antebraço esquerdo. Ele foi o único membro da sua família que conseguiu sobreviver ao Holocausto.

Depois de ser libertado, Clary voltou para a França em maio de 1945 e passou a cantar em salões de dança. Ele se mudou para Los Angeles em 1949 para gravar discos com a Capitol Records. Um ano depois, apareceu em um esquete de comédia francesa em um programa de variedades da CBS apresentado por Ed Wynn.

Clary também participou de filmes como “Homens do Deserto” (1951) e “A Princesa de Damasco” (1952), depois conheceu o famoso artista Eddie Cantor, que o levou a Nova York para se apresentar em clubes, onde chamou a atenção e foi convidado para estrear na Broadway, no musical “New Faces” de 1952.

Ele cantou “Lucky Pierre” e “I’m In Love With Miss Logan” no musical, que também contou com Eartha Kitt, Paul Lynde, Ronny Graham, Alice Ghostley e Carol Lawrence e teve esquetes escritas pelo futuro cineasta Mel Brooks. “New Faces” foi filmado pela Fox e exibido nos cinemas em 1954.

O ator apareceu novamente na Broadway em 1955 no musical “Seventh Heaven”, estrelado por Gloria DeHaven, Ricardo Montalban e Bea Arthur. Ele também fez aparições nos filmes “Amor Daquele Jeito” (1963) e no programa de TV “Bob Hope Presents the Chrysler Theatre” (1965).

Porém, seu merecido reconhecimento veio quando foi escalado para “Guerra, Sombra e Água Fresca”. Exibida no canal americano CBS entre 1965 e 1971, a série durou seis temporadas e trazia o o ator como um prisioneiro francês chamado Louis LeBeau.

A trama vagamente inspirada no filme “O Inferno Nº 17” (1953) acompanhava um grupo multinacional de prisioneiros de guerra, liderados pelo coronel americano Robert E. Hogan (Bob Crane), que aproveitava a incompetência nazista para trabalhar junto à resistência mesmo dentro da prisão, e eventualmente até ajudar seus captores atrapalhados para evitar sua substituição por oficiais linha-dura.

Clary, que tinha 1,50m, se escondia em espaços pequenos, sonhava com garotas, se dava muito bem com os cães de guarda dos nazistas e usava suas habilidades culinárias para ajudar o confuso coronel alemão Wilhelm Klink (Werner Klemperer) a se livrar de problemas com seus superiores.

Falando a respeito da sua escolha de estrelar uma série de comédia sobre prisioneiros de guerra, Clary disse: “Eu tive que explicar [para judeus] que a série era sobre prisioneiros de guerra em um stalag, não um campo de concentração, e embora eu não quisesse diminuir o que os soldados passaram com os nazistas, era uma diferença como noite e dia em relação ao que as pessoas enfrentaram nos campos de concentração de extermínio”, escreveu ele em seu livro de memórias “From the Holocaust to Hogan’s Heroes”, lançado em 2001.

Seus outros créditos como ator incluem participações nas séries “Arnie” (em 1972), “Ilha da Fantasia” (1978), “Missão Secreta” (1984), “General Hospital” (1985), além do filme “O Dirigível Hindenburg” (1975).

Clary também participou de mais de 500 episódios da novela “Days of Our Lives” e outros 43 episódios de “The Bold and the Beautiful”. Seu último crédito como ator foi dublando um personagem na produção televisiva “Matisse & Picasso: A Gentle Rivalry” (2001).

Fora as telas, ele cantou em vários álbuns de jazz ao lado de compositores como Irving Berlin e Johnny Mercer. Além disso, também gravou o álbum “Hogan’s Heroes Sing the Best of WWII”, junto com seus colegas de elenco de “Guerra, Sombra e Água Fresca”, Richard Dawson, Larry Hovis e Ivan Dixon.

Clary também trabalhou com a organização internacional de direitos humanos Simon Wiesenthal Center, em Los Angeles, e fez palestras em universidades de todo o país por mais de duas décadas. Ele foi casado por 32 anos com Natalie Cantor, a segunda filha de Eddie Cantor. Ela morreu em 1997.

Por quase quatro décadas, Robert Clary citava o trauma para evitar falar sobre a sua experiência no Holocausto. Mas recentemente mudou de ideia, citando a crescente onda de negacionismo.

“Por 36 anos guardei essas experiências durante a guerra trancadas dentro de mim”, disse ele uma vez. “Mas aqueles que estão tentando negar o Holocausto, meu sofrimento e o sofrimento de milhões de outros me forçaram a falar.”