Marsha Hunt, lenda de Hollywood, morre aos 104 anos

A atriz Marsha Hunt, estrela da era de ouro de Hollywood e primeira grande ativista do cinema, que teve a carreira prejudicada pela paranoia comunista e caça às bruxas do Congresso dos […]

Divulgação/MGM

A atriz Marsha Hunt, estrela da era de ouro de Hollywood e primeira grande ativista do cinema, que teve a carreira prejudicada pela paranoia comunista e caça às bruxas do Congresso dos EUA, morreu na quarta-feira (7/9) de causas naturais em sua casa em Sherman Oaks, onde morava desde 1946. Ela tinha 104 anos.

O anúncio foi feito no sábado (10/9) pelo diretor Roger C. Memos, que filmou um documentário sobre sua vida, “Marsha Hunt’s Sweet Adversity” (2015).

Ex-modelo que assinou com a Paramount Pictures aos 17 anos, a atriz de Chicago estreou em 1935 nos cinemas, com um papel no drama jurídico “Cumpra-se a Lei”.

Ela apareceu como uma ingênua e interesse amoroso em vários filmes – John Wayne a namorou em “Trunfos na Mesa” (1937) – , e ao fim de seu contrato em 1938 passou a atuar para a MGM, onde fez seu primeiro grande sucesso, como uma estudante suicida ao lado de Lana Turner em “Estas Grã-Finas de Hoje” (1939).

No mesmo ano, chamou atenção em “Heroica Mentira”, em que interpretou a mesma personagem dos 16 aos 65 anos de idade. E em seguida viveu a irmã deselegante Mary Bennet numa versão de “Orgulho e Preconceito” (1940) em que Laurence Olivier viveu o arrogante Mr. Darcy.

Hunt também trabalhou no noir “Um Assassino de Luvas” (1942), que foi o primeiro longa do diretor Fred Zinnemann nos Estados Unidos, e apareceu ao lado de Mickey Rooney em “A Comédia Humana” (1943), indicado ao Oscar de Melhor Filme.

Entre seus últimos papéis dessa fase, ainda se destacam os clássicos noir “Desespero” (1947), em que saiu no tapa com Susan Heyward, e “Entre Dois Fogos” (1948), no qual interpretou a advogada mocinha que ajuda Dennis O’Keefe a sair da prisão e se livrar de uma cilada de Raymond Burr.

Embora nunca tenha atingido o status de seus colegas de elenco, ela já tinha mais de 50 filmes na carreira quando se juntou com seu segundo marido, o roteirista Robert Presnell Jr., num movimento pró-liberdade de expressão que em 1947 questionou a legalidade do Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara, criado com a intenção de identificar e expulsar os comunistas da indústria do entretenimento.

O grupo do protesto, que também incluía Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Danny Kaye, John Huston e outros liberais de Hollywood, fretou um avião para Washington para participar das audiências para apoiar 19 roteiristas que estavam sob escrutínio sob a suspeita de serem comunistas.

Quando os conservadores reagiram ao movimento com a imposição da infame Lista Negra, que proibiu Hollywood de contratar supostos subversivos, todos os corajosos do movimento deram para trás, incluindo Bogart, que viveu inúmeros valentões na tela. Vieram à público dizer que foram enganados pelos comunistas e que sua viagem a Washington foi imprudente.

Isso talvez tenha salvo suas carreiras, pois Marsha Hunt não se arrependeu nem se retratou, e teve o nome incluído na Lista Negra em junho de 1950, passando a ser proibida pelo panfleto de direita de trabalhar em Hollywood.

“Sabe, eu nunca me interessei pelo comunismo”, disse ela em uma entrevista de 2004. “Eu estava muito interessada em minha indústria, meu país e meu governo. Mas fiquei chocada com o comportamento do meu governo e seus maus tratos à minha indústria. E então eu reclamei e protestei como todo mundo naquele voo. Mas então me disseram que eu não era uma ativista liberal, mas uma comunista e estava na Lista Negra. Era tudo sobre controle e poder”.

“A maneira como se obtém o controle é fazer com que todos concordem com o que for apropriado no momento, o que for aceito. Não questione nada, não fale, não tenha suas próprias ideias, não questione, nunca seja eloquente, e se você for uma dessas coisas, você é controverso. E para eles isso era ruim, talvez pior do que ser comunista. Por isso me acusavam disso, pois você perdia sua carreira, seu bom nome, suas economias, provavelmente seu casamento e seus amigos se fosse considerada comunista. Foi terrível, simplesmente terrível.”

Chamá-la de comunista era uma aberração enorme e típica da época da caça às bruxas, pois, quando não estava atuando, Hunt servia como anfitriã no famoso Hollywood Canteen para militares americanos.

Prejudicada pelo governo dos EUA, sua carreira nunca mais foi a mesma. Sem trabalho, decidiu se dedicar a causas. Passou a viajar o mundo como ativista de esforços humanitários, fazendo aparições em nome das Nações Unidas e se tornando o que ela chamava de “patriota do planeta”.

Aos poucos, a Lista Negra foi perdendo a eficácia, o que permitiu à atriz começar a aparecer, pouco a pouco, como estrela convidada em programas de TV, atuando em episódios da semana de séries como “Alfred Hitchcock Apresenta”, “Além da Imaginação” (The Twilight Zone), “Quinta Dimensão” (The Outer Limits), “Gunsmoke”, “Ben Casey” e “Têmpera de Aço” (Ironside).

Retomou também o trabalho cinematográfico, mas em papéis bem menores do que estava acostumada – como a mãe do jovem Brandon De Wilde em “Blue Jeans – O Que os Pais Desconhecem” (1959) e a dona de um hotel no western “Os Destruidores” (1960).

Anos depois, estrelou o marcante “Johnny Vai à Guerra” (1971), escrito e dirigido pelo famoso roteirista da Lista Negra Dalton Trumbo. Hunt interpretou a mãe do soldado amputado, vivido por Timothy Bottoms, num drama tão forte que transformava o protesto contra a Guerra do Vietnã numa obra de terror.

Ela permaneceu ativa nas telas até os anos 1980, quando ainda pôde ser vista em algumas séries populares, como “Assassinato por Escrito”, “Matlock” e “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração”. Mas logo a atuação se tornou secundária a seu trabalho no conselho do SAG (Sindicato dos Atores dos EUA), onde encabeçou vários comitês progressistas. Um deles passou a cobrar os estúdios para contratar atores minoritários em papéis que não fossem estereotipados.

Não satisfeita, ela ainda se dedicava a ajudar os sem-teto de sua cidade, virando a prefeita honorária de Sherman Oaks.

Mesmo com tantas funções, voltou às telas, de forma surpreendente, com 91 anos no elogiado filme indie “Chloe’s Prayer” (2006), de Maura Mackey, e ainda fez, dois anos mais tarde, participação no telefilme “Meurtres à l’Empire State Building”, que reuniu várias estrelas da velha Hollywood – inclusive seu antigo parceiro Mickey Rooney e Kirk Douglas, em seu último papel.

Em abril de 2015, ela virou nome de prêmio, o Marsha Hunt for Humanity, criado por Kat Kramer, filha do célebre diretor e produtor Stanley Kramer, para reconhecer o esforço de artistas em prol da humanidade.

Hunt foi “uma das primeiras grandes atrizes de Hollywood a dedicar sua vida a causas”, observou Kramer sobre a escolha de seu nome para representar o prêmio, “e abriu o caminho para Angelina Jolie, Sean Penn, Jane Fonda, Lily Tomlin, Patricia Arquette, Sharon Stone, George Clooney, Matt Damon, Don Cheadle, Tippi Hedren, Ed Begley Jr., Ed Asner e Martin Sheen – e todas as celebridades que usam sua fama para realizarem mudanças.”