Ministro da Justiça manda PF investigar filme com cena de morte de Bolsonaro

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, determinou que a Polícia Federal investigue um filme em que um personagem semelhante a Jair Bolsonaro participa de uma motociata e sofre um […]

Twitter/Carla Zambelli

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, determinou que a Polícia Federal investigue um filme em que um personagem semelhante a Jair Bolsonaro participa de uma motociata e sofre um atentado. Fotos e vídeos de um ator trajado como Bolsonaro, caído ensanguentado sobre uma moto, dominaram as redes bolsonaristas durante o sábado (16/7), acompanhadas por protestos.

“As imagens são chocantes e merecem ser apuradas com cuidado”, disse o ministro.

Segundo os apoiadores de Bolsonaro, trata-se de discurso de ódio da esquerda e de incentivo à violência contra o presidente. “Essa ideologia esquerdista mata e quer matar ainda mais! Tentaram matar Bolsonaro uma vez e não conseguiram, agora, até ensinam como fazer”, publicou o senador Flávio Bolsonaro, filho de Jair.

A acusação de que a esquerda promove discurso de ódio ocorre poucos dias após o bolsonarista Jorge Guaranho assassinar o petista Marcelo de Arruda em Foz do Iguaçu, invadindo armado sua festa de aniversário temática, decorada com pôsteres de Lula.

As cenas de ficção de um suposto ataque ao presidente também foram repudiadas pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ex-juiz Sergio Moro.

“Repudio veemente qualquer ato que possa estimular a violência a quem quer que seja. Está circulando nas redes um ‘filme’ que demonstra o suposto assassinato do nosso presidente. Isso não é arte! Isso é um ato imoral à nação e ao governo federal”, publicou Mourão nas redes sociais.

“Inadmissível tratar de forma jocosa ou figurativa a morte de uma pessoa, ainda mais de um presidente da República. Esse tipo de comportamento acirra os ânimos e não contribui em nada para o debate político”, disse Moro.

Há dois meses, bolsonaristas se diziam os maiores defensores da liberdade de expressão do Brasil.

O próprio Bolsonaro afirmou que “a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações”, ao indultar o deputado Daniel Silveira, condenado à prisão por promover ataques verbais contra o STF.

Bolsonaro considerou “injustiça” condenar alguém apenas por ameaças, como esta sobre o ministro Edson Fachin do STF: “Uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar”. Ou essa: “Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte. Quantas vezes eu imaginei você, na rua, levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não. Eu só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime”.

Isto é um discurso de ódio. Filmes são obras de ficção.

Indignado com as cenas do longa, o bolsonarista Mário Frias chegou a culpar a rede Globo. Mas a emissora negou ser responsável pela produção. Em nota, a Globo afirmou não ter “nenhuma série, novela ou programa com esse conteúdo”.

Apesar disso, a própria Globo identificou a origem das imagens.

“Segundo foi informada, a gravação seria de um filme do cineasta Ruy Guerra chamado ‘A Fúria'”, diz o comunicado da empresa.

A nota ainda esclarece que o Canal Brasil, do grupo Globo, tem uma participação de 3,61% nos direitos patrimoniais desse filme, “mas jamais foi informado dessas cenas e, como é praxe em casos de cineastas consagrados, não supervisiona a produção”. “Embora tenha participação acionária no Canal Brasil, a Globo não interfere na gestão e nos conteúdos do canal”, acrescentou o texto.

Questionado pela Folha, Guerra confirmou que está filmando “A Fúria”, mas disse não saber se as cenas compartilhadas nas redes pertencem a sua obra. Mesmo após a descrição das cenas pela reportagem, recusou-se a falar sobre o assunto. “Não sei dizer porque não vi, não vi o material”, disse.

Ele afirmou que não falaria sobre o filme até o seu lançamento e não revelou quando isso ocorrerá.

Nascido em Moçambique, Ruy Guerra faz parte importante da história do cinema brasileiro, tendo se destacado com clássicos como “Os Cafajestes” (1962), famoso por inaugurar o nu frontal no Brasil, e os marcos do Cinema Novo “Os Fuzis” (1964) e “A Queda” (1977), ambos premiados com o Urso de Prata no Festival de Berlim.

A carreira longa continua prestigiada. O lançamento mais recente do cineasta de 90 anos, “Aos Pedaços”, recebeu três prêmios, inclusive o de Melhor Direção no Festival de Gramado de 2020.

“A Fúria” faz parte da trilogia composta por “Os Fuzis” e “A Queda”, e acompanha o personagem dos dois filmes anteriores, Mario, originalmente vivido pelo falecido Nelson Xavier. Preso durante a ditadura militar, ele “sai da cadeia já velho, para ajustar contas com sua história e com os dois homens que, a seu ver, traíram a ele e ao país: Salatiel, seu sogro, e hoje rico empreiteiro, e Ulisses, seu antigo companheiro de militância, hoje um poderoso político” – de acordo com a sinopse.

O elenco conta com Lima Duarte, que apareceu em “A Queda”, e Paulo César Pereio, integrante de “Os Fuzis”, entre outros.