Bolsonaro faz demagogia com veto à Lei Paulo Gustavo

Após repercussão negativa na comunidade artística, o presidente Jair Bolsonaro buscou justificar seu veto à Lei Paulo Gustavo neste sábado (9/4) com uma explicação ilustrativa do que é demagogia política. Ele afirmou […]

Divulgação/Palácio do Planalto

Após repercussão negativa na comunidade artística, o presidente Jair Bolsonaro buscou justificar seu veto à Lei Paulo Gustavo neste sábado (9/4) com uma explicação ilustrativa do que é demagogia política.

Ele afirmou que pretende direcionar os R$ 3,86 bilhões previstos no projeto em financiamentos para o agronegócio e para Santas Casas do país, caso o Congresso mantenha o veto que ele deu na terça-feira (5/3).

Parece nobre. Só que ao vetar a Lei Paulo Gustavo, Bolsonaro afirmou que a proposta não poderia ser aprovada porque fere a Lei de Responsabilidade Fiscal ao criar despesa sujeita ao limite constitucional previsto e sem apresentação de “compensação na forma de redução de despesa, o que dificultaria o cumprimento do referido limite”.

Mas será que apenas mudar a destinação altera o status da verba que supostamente não podia ser gasta por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal? Obviamente que não.

Nas enciclopédias, demagogia é descrita como “um claro interesse em manipular ou agradar a massa popular, incluindo promessas que muito provavelmente não serão realizadas, visando apenas à conquista do poder político e ou outras vantagens correlacionadas” (Wikipedia).

Além de demagógica, a fala de Bolsonaro ainda indica desrespeito pela legislação brasileira e aponta mau uso de verbas públicas pelo governo federal.

Da verba prevista na Lei Paulo Gustavo, R$ 2,79 bilhões seriam voltados à área audiovisual, extraídos basicamente do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), que tem sido liberado à conta-gotas após ficar mais de um ano paralisado no governo Bolsonaro. Os valores do FSA são obtidos por meio de uma taxa específica, a CONDECINE (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), cobrada dos setores de telecomunicação e audiovisual com destinação apontada em Lei.

A Lei Nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, reforçava que o total dos recursos arrecadados pela CONDECINE (criado pela Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001) seria integralmente “alocado em categoria de programação específica, denominada Fundo Setorial do Audiovisual, e utilizado no financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais”.

O restante da verba da Lei Paulo Gustavo viria do FNC (Fundo Nacional de Cultura). Assim como o FSA, este fundo também tem aplicação específica e mesmo quando não utilizado deveria permanecer legalmente vinculado a uso cultural. Como Bolsonaro paralisa a liberação de verbas, ambos os fundos têm grande valor acumulado para uso.

O superávit destes valores foram liberados pela PEC Emergencial de março de 2021 para pagar a dívida pública até o fim de 2023.

Isto liberaria o dinheiro da Cultura para Bolsonaro usar… exclusivamente para quitar dívidas existentes. Entretanto, ele está propondo fazer novas dívidas (não culturais) com o montante.

A declaração sobre a intenção de Bolsonaro está em vídeo postado em suas redes sociais, no qual ele aparece rodeado por simpatizantes no Santuário São Miguel Arcanjo, na cidade de Bandeirantes, no Paraná.

Na mesma fala, Bolsonaro criticou o uso do dinheiro no setor pelo governador da Bahia, Rui Costa, do PT. “O Rui Costa vai aplicar em que na cultura na Bahia? Com aqueles figurões que ficaram de fora da Lei Rouanet”, afirmou.

O fomento cultural é responsável por centenas de milhares de empregos no Brasil, movimenta a economia e faz crescer a influência do país no mercado internacional.

Qual a importância disso? Graças ao apoio de seu governo, a Coreia do Sul virou uma potência cultural, transformando filmes, séries e músicas em produtos de exportação com impacto significativo no seu PIB (Produto Interno Bruto). Em linguagem acadêmica, isto se chama “soft power”.

Em plena crise financeira, Bolsonaro propõe a receita inversa para o Brasil.

O Congresso agora vai avaliar o veto do presidente, que será submetido à votação. Para derrubá-lo e efetivar a Lei Paulo Gustavo, será necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores. Se o veto não for apreciado em 30 dias, será incluído automaticamente na pauta do Congresso Nacional, barrando as demais deliberações até que seja colocado em votação.

A iniciativa da Lei Paulo Gustavo foi do próprio poder legislativo, o que deve favorecer a derrubada do veto.

Após a eventual aprovação, a União terá de enviar o dinheiro que represou do FNC e FSA aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para que sejam aplicados em iniciativas culturais, livrando os fundos das “limitações de despesas”, evocadas para justificar o travamento dos recursos por parte do governo.