Mikis Theodorakis (1925–2021)

O compositor grego Mikis Theodorakis, autor de trilhas icônicas como as dos filmes “Z” e “Zorba, O Grego”, faleceu em Atenas aos 96 anos, após ser hospitalizado com problemas cardíacos. “Mikis Theodorakis […]

Divulgação/Wikimedia Commons

O compositor grego Mikis Theodorakis, autor de trilhas icônicas como as dos filmes “Z” e “Zorba, O Grego”, faleceu em Atenas aos 96 anos, após ser hospitalizado com problemas cardíacos.

“Mikis Theodorakis passa agora à eternidade. Sua voz foi silenciada e com ele todo o helenismo”, afirmou o primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, que decretou três dias de luto nacional.

“Hoje perdemos uma parte da alma da Grécia. Mikis Theodorakis, nosso Mikis, o professor, o intelectual, o resistente, se foi. Ele, que fez com que todos os gregos cantassem os poetas”, declarou a ministra da Cultura, Lina Mendoni.

A presidente da República, Eikaterini Sakellaropoulou, elogiou um “grande criador grego e universal, um valor inestimável para toda nossa cultura musical que dedicou sua vida à música, à arte, ao nosso país e a seus habitantes, às ideias de liberdade, justiça, igualdade e solidariedade”.

Nascido em 29 de julho de 1925 em Chios, no Mar Egeu, em uma família de origem cretense, Mikis Theodorakis teve uma vida atribulada, participando na juventude da resistência contra os nazistas. Ele também também lutou ao lado dos comunistas durante o conflito civil que explodiu na Grécia após a 2ª Guerra Mundial, o que o fez ser deportado para a ilha prisão de Makronisos, onde foi torturado.

Ao conseguir a liberdade, viajou a Paris para estudar no Conservatório. Mas não ficou muito longe da Grécia e do fervor político. Ao retornar a Atenas, começou a trabalhar em trilhas, assinando a música de “A Batalha dos Descalços” (1953), sobre a resistência do jovens gregos – como ele próprio – contra a invasão nazista.

Depois de se firmar como referência musical do cinema grego, em obras como “Profanação” (1962), que Jules Dassin filmou na Grécia com Anthony Perkins, “Electra, a Vingadora” (1962), de Michael Cacoyannis, que consagrou Irene Papas, e “Uma Sombra em Nossas Vidas” (1962), que Anatole Litvak filmou na Itália com Sofia Loren, ele assinou sua obra mais conhecida, “Zorba, o Grego” (1963), do compatriota Cocoyannis, com elenco hollywoodiano encabeçado por Anthony Quinn.

Sempre politizado, Theodorakis fez amizade com Grigoris Lambrakis, deputado do partido de esquerda EDA, assassinado em novembro de 1963 em Tessalônica pela extrema-direita, com a cumplicidade do Estado. Após musicar mais um filme de Cocoyannis com elenco internacional, “Quando os Peixes Saíram da Água” (1967), o próprio compositor foi detido no início da ditadura dos coronéis, que começou em 21 de abril de 1967.

Anistiado um ano mais tarde, ele liderou um movimento clandestino e foi colocado em prisão domiciliar. Mas sua popularidade só aumentou, o que levou a ditadura militar a determinar nova detenção e a proibição completa de sua obra. A prisão e a censura renderam protestos internacionais, e a repressão apenas transformou Theodorakis num símbolo da resistência. Pressionados pela comunidade europeia, os militares optaram por exilá-lo.

Em Paris, o compositor voltou à luta. Ele se juntou a um jovem cineasta para denunciar a ditadura e homenagear o amigo chacinado. O filme “Z” (1969), do cineasta Costa-Gavras, apontou a cumplicidade do governo grego no assassinato de Lambrakis e impactou o cinema político de forma definitiva, inspirando o engajamento de cineastas em pautas urgentes ao redor do mundo.

Ele voltou a trabalhar em outra obra hollywoodiana do velho amigo Cocoyannis, “As Troianas” (1971), com Katharine Hepburn, Vanessa Redgrave e Geneviève Bujold, consagrando-se como o compositor das grandes tragédias gregas. Ao mesmo tempo, fortaleceu sua outra vertente musical, dobrando a aposta no cinema político de Costa-Gavras com a trilha de “Estado de Sítio” (1972), uma crítica à ditadura uruguaia, com paralelos claros a situação de seu próprio país.

No exílio, também conquistou Hollywood, musicando “Serpico” (1973), clássico de Sidney Lumet estrelado por Al Pacino, que denunciava a violência e a corrupção policial dos EUA. Mas não perdeu o foco, assinando em seguida o clássico “O Ensaio” (1974), de Jules Dassin, sobre o impacto da censura e perseguição política entre os universitários gregos.

Quando a ditadura finalmente caiu em 1974, Theodorakis voltou à Grécia sob aplausos, recepcionado por uma multidão no aeroporto de Atenas, que gritava seu nome como se fosse um herói da mitologia. Mas para decepção da esquerda, ele optou por usar sua popularidade para ajudar a eleger Constantin Caramanlis, um estadista de direita, que se tornou responsável pela volta da democracia grega.

Theodorakis ainda alternou alguns filmes políticos, como “Acontecimentos de Marusia” (1975) e “The Man with the Carnation” (1980), com novas adaptações de tragédias gregas, como “Ifigênia” (1977), de Cocoyannis, antes de enveredar pelas trilhas de documentários, projetos televisivos, concertos, balés, óperas, peças teatrais, gravações de discos e até a carreira política no Parlamento, que tomaram a maior parte de seu tempo nos anos seguintes.

Ele próprio ganhou um documentário em 2010, “Mikis Theodorakis. Composer”, que o descrevia como o artista mais importante para o estabelecimento da identidade grega em meio às lutas pela democracia no século 20. Mas isso não impediu que fosse alvo de gás lacrimogênio dois anos depois, quando protestava diante do Parlamento em Atenas contra as medidas de austeridade impostas pelos credores do país (Banco Central Europeu, União Europeia e Fundo Monetário Internacional) durante a crise financeira que abateu a Grécia.

Nos últimos anos, Theodorakis militou em diversas campanhas de direitos humanos, como o conflito do Chipre, as tensões entre Turquia e Grécia, os ataques da OTAN contra a Sérvia e a disputa entre Israel e Palestina

O compositor era casado com Myrto, sua companheira de toda a vida, e tinha dois filhos, Marguerite e Georges.