Guerras não devem ser glorificadas ou romantizadas. Guerras geram apenas destruição. Destruição de arquiteturas, de fauna e de flora. Destruição de famílias, de amores e de amizades. Destruição de corpos e de vidas. É o que mostra o filme “1917”, dirigido por Sam Mendes (“007 Contra Spectre”) e mais forte candidato ao Oscar deste ano.
Escrita pelo próprio cineasta em parceria com Krysty Wilson-Cairns (da série “Penny Dreadful”), a trama acompanha dois soldados britânicos que precisam ultrapassar as linhas inimigas no front francês da 1º Guerra Mundial. Sua missão é levar uma mensagem a um batalhão prestes a adentrar numa armadilha, do qual faz parte o irmão de um deles. A jornada tortuosa é repleta de armadilhas, dificuldades e perigos. E o diretor sabe explorá-los muito bem.
Mendes opta por rodar todo o filme em um (falso) plano-sequência, recurso similar àquele utilizado por Alejandro G. Iñárritu em “Birdman” (2014). Porém, enquanto naquele caso a história era condensada em poucos ambientes, aqui vemos a enorme extensão do conflito enquanto os protagonistas atravessam trincheiras, túneis, campos abertos, cidades destruídas e muito mais.
Conduzindo a movimentação dos atores com a precisão de um maestro, Mendes é criativo na maneira como ele contorna algumas das limitações causadas pela sua escolha. É notável, por exemplo, como opta por fazer os personagens mudarem suas posições em cena, devido à impossibilidade de filmar um diálogo em plano e contra plano.
Mas sua escolha vai além de um preciosismo estético. Ao filmar toda a ação quase sem cortes, ele obriga o espectador a acompanhar cada passo da jornada dos protagonistas.
No cinema clássico, cenas de duas pessoas caminhando tomariam pouco ou nenhum tempo de tela, mas em “1917” são o principal recurso da narrativa. Isto coloca o espectador lá, junto dos personagens, sentindo suas dificuldades de perto, uma vez que não há atalhos para a segurança dos cortes cinematográficos. E devido a esta proximidade com os personagens, acabamos conhecendo-os melhor.
Enquanto Blake (Dean-Charles Chapman) é visto como um jovem ainda iludido com a noção romântica de heroísmo, Schofield (George MacKay, excelente) tem uma visão mais pragmática da guerra. Blake deseja entregar a mensagem para salvar o batalhão (e seu irmão). Schofield é movido pela possibilidade/necessidade de impedir mais destruição.
Apesar da sua motivação altruísta, Schofield não é um herói convencional, pois “1917” não é uma obra convencional sobre heroísmo.
Durante toda a jornada, os soldados só se deparam com cenários de destruição. Casas destruídas, árvores cortadas, pontes derrubadas, animais abatidos, etc. A morte cerca-os a cada passo.
Até mesmo quando o longa esboça a ideia de enxergar a beleza naquelas imagens – como quando vemos pétalas de flores boiando num rio – , esta visão é logo substituída por uma cena de destruição – e corpos putrefatos substituem as flores na água.
Tal proximidade entre beleza e destruição também é representada visualmente na ótima direção de fotografia de Roger Deakins (que já havia trabalhado com Mendes em “007: Operação Skyfall”).
Investindo em tons amarelados e sépia, associando o filme aos registros da época representada, o veterano cinematógrafo faz as sombras dançarem, simbolizando a escuridão e a desesperança que tomou conta daquele ambiente.
Aliás, tal desesperança é igualmente notável na conduta dos demais personagens. “Só há um jeito desta guerra acabar. Quando só sobrar um homem de pé”, diz um oficial interpretado por Benedict Cumberbatch em determinando momento, reforçando o tom de desilusão.
Afinal, o ato dos protagonistas até pode surtir um efeito imediato, mas não permanente. Mesmo que consigam cumprir sua missão e salvar vidas, o próprio nome do filme, “1917”, sugere que o conflito, que durou até 1918, ainda guarda muita destruição pela frente.