Marlen Khutsiev (1925 – 2019)

O cineasta Marlen Khutsiev, considerado o pai da “new wave” do cinema soviético dos anos 1960, morreu em Moscou aos 93 anos, anunciou a União de Cineastas da Rússia nesta terça (18/3). […]

O cineasta Marlen Khutsiev, considerado o pai da “new wave” do cinema soviético dos anos 1960, morreu em Moscou aos 93 anos, anunciou a União de Cineastas da Rússia nesta terça (18/3). “Viveu uma vida cheia de drama e alegria”, declarou a porta-voz da organização, Tatiana Nemchinskaya.

Ele nasceu em Tiflis (atualmente, parte Georgia) em 1925 logo após a Revolução Bolchevique, e seu nome Marlen era um acrônimo de Marx e Lênin. Apesar desse batismo, o regime comunista não foi benevolente com sua família. Sua mãe era uma ex-aristocrata que perdeu tudo e seu pai um dirigente do partido que acabou executado em 1937, durante os expurgos stalinistas.

Sua carreira floresceu após a morte de Stalin, em 1953, representando um sopro de renovação nas artes soviéticas.

“Primavera na Rua Zarechnaya”, lançado em 1956, o ano em que Nikita Khrushchev denunciou o culto à personalidade de Stalin, surpreendeu pelo realismo de sua história, ao retratar a vida de uma jovem professora que chega a uma cidade de província para dar aulas noturnas a operários.

A obra chamou atenção por não seguir os enredos soviéticos: a mulher bem-educada da cidade grande não se apaixonava imediatamente por um trabalhador bruto, mas charmoso. Apesar disso, foi visto por mais de 30 milhões de espectadores nos cinemas, tornando-se cultuadíssimo na União Soviética.

Seu segundo filme, “Two Fyodors” (1959), focou a reconstrução das famílias no período do pós-guerra, acompanhando um soldado que volta do front e adota um órfão com quem compartilha o nome (ambos se chamam Fyodor). Mas esse relacionamento é quase destruído quando ele se casa.

Apesar das críticas sutis, seus problemas com o governo só começaram em seu filme seguinte, sobre a juventude soviética dos anos 1960. A história de “I Am Twenty” contrapunha os sonhos da idade com as limitações impostas pelo comunismo, acompanhando três jovens que ansiavam pela liberdade e não expressavam o menor fervor socialista.

O filme venceu o Prêmio do Júri do Festival de Veneza em 1965, mas foi condenado por Khrushchev, que só liberou sua estreia comercial dois anos depois, após ser completamente reeditado. A versão original foi reconstituída e exibida para o público russo apenas em 1988, durante a abertura da glasnost.

O diretor também chamou atenção com “July Rain”, filmado em 1967 de maneira similar a nouvelle vague francesa, usando câmera na mão, ao estilo dos documentários, atores não profissionais e um enredo que parecia inexistente.

A partir de 1968, o regime o designou para trabalhar na TV estatal, sob censura ainda mais rígida, acabando com sua liberdade para filmar. Por conta disso, somente voltou ao cinema em 1984 com “Epilogue”.

Khutsiev lançou apenas mais um longa de ficção depois disso, “Infinitas”, premiado no Festival de Berlim de 1992.

Mas os poucos filmes que lançou durante a Guerra Fria representaram uma das principais resistências culturais da juventude russa à ditadura comunista, com enredos discretos e repletos de ambiguidades, que serviram de inspiração para gerações de cineastas que se seguiram, além de fornecerem algumas das imagens mais icônicas daquele período.

Ele ainda foi premiado com um Leopardo de Ouro pela carreira no Festival de Locarno em 2015 e trabalhava num novo filme, que marcaria o seu retorno.