Chiwetel Ejiofor tem algo importante a dizer em O Menino que Descobriu o Vento

Lembra quando os filmes se preocupavam acima de tudo em contar uma bela história? Um tempo em que ambições artísticas individuais eram colocadas em segundo plano e todos os envolvidos numa produção […]

Lembra quando os filmes se preocupavam acima de tudo em contar uma bela história? Um tempo em que ambições artísticas individuais eram colocadas em segundo plano e todos os envolvidos numa produção uniam esforços para que um filme ganhasse vida e fosse maior que cada talento pago para tirá-lo do papel. Pode ser bem filmado, escrito, interpretado, qualquer coisa, mas a história é construída sem recados panfletários para o momento político, social e econômico de sua época, embora dialogue com a realidade de qualquer geração devido aos seus temas universais e atemporais. É esse tipo de cinema que propõe o ator Chiwetel Ejiofor em sua estreia como diretor de longas-metragens. De alguma forma, os lados viscerais e emocionais de sua força como ator estão bem representados em sua visão do livro de William Kamkwamba e Bryan Mealer, “O Menino que Descobriu o Vento”.

Alguns atores conseguem adaptar seus talentos para a função de diretor de uma maneira tão natural que é fácil reconhecer suas características e temáticas preferidas em cada cena. Clint Eastwood e Woody Allen tiram isso de letra, mas temos outros bons exemplos como os de Kevin Costner, que vivia um grande momento em sua carreira quando se arriscou na direção de “Dança com Lobos”, o mesmo com George Clooney, quando filmou “Boa Noite e Boa Sorte”.

“O Menino que Descobriu o Vento” é a cara do ator indicado ao Oscar por “12 Anos de Escravidão”. Inteligente, humanista e extremamente honesto ao abrir seu coração.

Ele conta a história real de William Kamkwamba (Maxwell Simba) que vivia em Malawi, África, em 2001, com sua pobre família, sobrevivendo de colheitas numa terra castigada pelo sol e a ausência de chuvas. Quando Ejiofor faz referência à queda das Torres Gêmeas, em Nova York, naquele ano, temos a certeza de que o cenário que veremos a seguir remete a um período de um sofrimento inimaginável para quem paga Netflix todos os meses. Lutando para ir à escola sem dinheiro, William se encanta pela ciência e vê nela a solução para os problemas da família e das pessoas ao seu redor.

Só que estamos falando de um lugar esquecido pelo tempo e o mundo, onde o conservadorismo e velhas tradições imperam. A juventude e o futuro representados por William batem de frente com as convicções antigas de seu pai, Trywell (o próprio Chiwetel Ejiofor, mais uma vez sendo maravilhoso). No meio do desespero, ele acredita que chegou a hora do menino esquecer os estudos, pegar a enxada e encarar o trabalho duro.

Como convencer uma pessoa com concepções firmes, mas completamente antiquadas? Essa é a grande pergunta que nos fazemos quase todos os dias sobre nossos pais – e alguns políticos. É a pergunta que faz William, que o respeita e não quer um confronto com o próprio pai, mesmo sabendo que tem razão nessa discussão.

Trywell não é pintado como um vilão. Pelo contrário, ele é um pai e marido dedicado, trabalhador, um verdadeiro lutador e um homem apaixonado por sua terra, cultura e a família (a atriz que faz sua esposa, Aïssa Maïga, é sensacional).

Ejiofor está ciente que não pode ceder aos clichês, embora eles circulem o filme o tempo todo. Prova disso é que ele nem sempre deixa a música ajudar nas cenas mais bonitas ou piegas, e deixa as emoções mais fortes somente para o finalzinho, o que favorece uma catarse natural e grandiosa.

No entanto, comete erros de principiante. Por exemplo, ao abrir várias frentes no primeiro ato para, sem mais nem menos, abandoná-las ao se concentrar nos personagens que realmente importam. E a sequência inicial, em meio ao funeral do irmão de Trywell, chega a ser dominada por diálogos expositivos só para mostrar quem é quem.

Não precisava, porque não demora tanto assim para Ejiofor explicar de fato quem realmente são essas pessoas. Do início ao fim, conhecemos cada membro da família e entendemos seus medos, mas também suas inspirações.

A verdade é que “O Menino que Descobriu o Vento” possui uma trama e significados explorados centenas de vezes pelo cinema. Mas Hollywood dificilmente filmaria em Malawi preservando o dialeto local (o Chichewa), que é falado durante 90% do filme. Nisso, entra a vantagem da Netflix, que produziu o filme. A plataforma não tem medo de legendas e venceu três Oscars neste ano com um filme falado em idioma diferente ao que os americanos estão acostumados – “Roma”.

E Chiwetel Ejiofor também tem algo importante a dizer, porque esta é uma história real, embora você provavelmente nunca tenha ouvido falar dela. Especialmente nesses dias em que escolas são lembradas por massacres, enquanto políticos se preocupam apenas em colocar mais armas nas ruas e fazer estudantes cantarem o hino nacional. O que “O Menino que Descobriu o Vento” faz é lembrar do poder transformador da educação.

“O Menino que Descobriu o Vento” também representa, finalmente, um filme sobre adolescente negro que vai à escola sem precisar lidar com a violência das ruas. Finalmente um filme sobre africanos sem guerras ou histórias envolvendo preconceito racial. Finalmente notamos que existem outras histórias maravilhosas que merecem e precisam ser contadas. Finalmente.