Bird Box não é o fim do mundo, mas lembra o Fim dos Tempos

“Bird Box” não é o pior filme do mundo. É uma “Tela Quente” bem mais interessante que “Fim dos Tempos” (2008), aquela porcaria do M. Night Shyamalan, que vem aí de novo […]

“Bird Box” não é o pior filme do mundo. É uma “Tela Quente” bem mais interessante que “Fim dos Tempos” (2008), aquela porcaria do M. Night Shyamalan, que vem aí de novo com “Vidro”. Ele é um diretor bem mais talentoso e com um repertório narrativo cheio de soluções visuais mais criativas que a dinamarquesa Susanne Bier. Mas colocou Mark Wahlberg para falar com uma planta em “Fim dos Tempos”, enquanto Sandra Bullock não passa vergonha em “Bird Box” e sabe atuar.

Claro que, quando a referência imediata vem de um filme ruim que quase ninguém lembra que viu, a coisa não pode ser muito bonita. Mas também não precisa vendar os olhos para encarar “Bird Box”, porque Sandra Bullock é uma mulher capaz de tudo. Poucas atrizes sabem transitar entre drama e comédia com tamanha eficiência e experiência para segurar qualquer filme nas costas, atraindo praticamente toda a atenção do público. E ainda tem uma garotinha sensacional no elenco, a pequena notável Vivien Lyra Blair, além do talento promissor de Trevante Rhoades, de “Moonlight”, embora John Malkovich, Sarah Paulson e Jackie Weaver aparecem apenas pela obrigação de manter as contas em dia.

“Bird Box” é sobre algo que surge do nada e que não pode ser visto, então, leva as pessoas a cometer suicídio. Alienígenas? Entidades malignas? A câmera não mostra e é melhor assim. Talvez seja uma metáfora para a depressão, o medo que de nós mesmos e da possível e consequente desistência da vida. Ótimo que o espectador possa entender “Bird Box” como quiser, afinal arte é uma experiência bem pessoal. E a analogia sobre depressão não é absurda, pois a jornada da personagem de Sandra envolve sua aceitação da maternidade, solução que representa sua própria razão para viver.

Pena que a diretora Susanne Bier dilua qualquer simbologia em prol do melodrama e de uma história mais convencional. Fica a sensação de que o roteiro de Eric Heisserer (“A Chegada”), baseado no livro de Josh Malerman, precisava de um olhar mais profundo para traduzir a reflexão que parece ter repercutido mais em quem leu a obra original. Em vez disso, a trama prefere investir nos momentos clichês da estupidez humana, que existem em nove de cada dez filmes que flertam com o terror – como abrir portas para estranhos no meio do caos, ver uma notícia sobre suicídio em massa na Rússia e ignorar o fato como se fosse a coisa mais normal do mundo, e correr por uma floresta com os olhos vendados só para tomar inúmeros tombos.

Para se arriscar em um território tão explorado é preciso desbravar fronteiras e percorrer caminhos jamais percorridos. Não é o que faz Susanne Bier que, numa era não muito distante, conquistou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “Em um Mundo Melhor” (2010). Era de se esperar mais dela. Especialmente após outro filme com temas mais ou menos similares ir muito além e se destacar em 2018, o excelente “Um Lugar Silencioso”.