Sob a Sombra encontra o terror na cultura iraniana

Há um monstro em “Sob a Sombra”, mas não um monstro como aqueles a que fomos habituado pelo cinema norte-americano. A criatura pode ou não estar escondida dentro do lar da iraniana […]

Há um monstro em “Sob a Sombra”, mas não um monstro como aqueles a que fomos habituado pelo cinema norte-americano. A criatura pode ou não estar escondida dentro do lar da iraniana Shideh (Narges Rashidi), mas há uma guerra correndo lá fora, e apenas Shided e sua filha pequena, Dorsa (Avin Manshadi), parecem amedrontadas pela sinistra figura.

O míssil encravado no apartamento do vizinho de cima sem detonar, talvez explique o pavor que mãe e filha vivem, enquanto o marido, um médico do exército recrutado para dar assistência no front, não volta. O horror vem da aflição e do perigo eminente do desconhecido, mas também da sombra de algo bem conhecido: a guerra. No caso, o final do confronto entre Irã e Iraque em 1988, um episódio histórico que deixou milhares de mortos e a cidade de Teerã em ruínas.

O diretor e roteirista estreante Babak Anvari baseou-se em sua própria experiência de infância do período para recriar o clima de agonia e tensão de “Sob a Escuridão”. Intriga a forma como ele faz o terror progredir. A ameaça não vem de fora, ela brota de dentro. É como se estivesse debaixo da pele e atingisse primeiro os ossos.

A mãe procura manter a rotina dentro de casa tranquila e a violência, embora referida a todo momento, nunca ocorre em quadro. Os barulhos das explosões e as rajadas de metralhadoras parecem longe, mas funcionam como pequenos lembretes. Não adianta fingir, é preciso estar sempre alerta. É por isso que mãe e filha dormem pouco.

A pequena Dorsa é a primeira a pressentir os sinais dos “djins”. Só muda o nome, essas figuras folclóricas da cultura persa, no fundo são carregadas pelo vento do mesmo modo que o bicho papão da cultura ocidental. Shideh, é claro, tenta tranquilizar a criança, mas quando vislumbra atrás dela, espelhada na tela da TV, algo que não deveria estar lá, as duas esquecem o temor da guerra e os perigos da noite, e correm em pânico pelas ruas.

É um alívio quando avistam as luzes de um veículo policial à frente; a dedução é que certamente esses homens virão em auxílio. Mas, em vez disso, eles repreendem as duas, com uma pergunta: “Estamos na Europa agora?” Só então a iraniana Shihed percebe que esqueceu a burka.

Cáustica ironia, além de enfrentar a guerra e os “djins”, ainda há tempo para os oficiais lembrá-las dos costumes e do decoro. O que nos leva a crer que, em filme de terror do Oriente Médio, a desvantagem das vítimas é muito maior.

Disponibilizado por streaming pela Netflix, a coprodução entre Irã e Reino Unido foi uma das sensações do Festival de Sundance do ano passado e, desde então, conquistou diversos prêmios, como Melhor Filme da mostra New Visions do Festival de Sitges (o mais famoso evento de cinema fantástico do mundo), além dos BIFAs (prêmio do cinema independente do Reino Unido) de Melhor Roteiro, Atriz Coadjuvante e Diretor Estreante – sem esquecer que ainda está indicada ao BAFTA (o “Oscar britânico”) e ao Independent Spirit Awards (o “Oscar indie”) em diversas categorias.