Relevante e atual, Pantera Negra não é só um filme de super-heróis

“Pantera Negra” é um triunfo em quase todos os aspectos. Não é apenas o filme mais maduro do universo cinematográfico da Marvel, iniciado há 10 anos com “Homem de Ferro”; é um […]

“Pantera Negra” é um triunfo em quase todos os aspectos. Não é apenas o filme mais maduro do universo cinematográfico da Marvel, iniciado há 10 anos com “Homem de Ferro”; é um dos mais relevantes, ao elencar questões raciais, sociais e políticas que foram eventualmente pinceladas em “Guerra Civil”.

Que fique claro: “Pantera Negra” não é o primeiro filme da Marvel protagonizado por um herói negro como alardeiam inadvertidamente alguns veículos sem muita credibilidade, ignorando três longas de “Blade”. Mas é o primeiro filme de herói africano, e é fato que poucas vezes a riqueza da cultura negra foi retratada com tanta pujança em uma produção com este calibre – ainda mais em um universo repleto de protagonistas que variam entre um deus nórdico, um playboy milionário, um adolescente deslocado, um ladrão de bom coração, um soldado idealista e… todos brancos.

Ainda que lide com o universo fictício do país de Wakanda, o filme de Ryan Coogler – diretor dos excelentes “Fruitvale Station” (2013) e “Creed” (2015) – torna-se palpável ao lidar com questões absolutamente contemporâneas – como o isolamento político de uma nação versus a tragédia da imigração sem controle.

O filme tem uma energia pulsante que é visível em cada fotograma, uma força narrativa que desafia com inteligência as convenções do gênero. Mas a trama é simples em sua essência. O soberano T’Challa (Chadwick Boseman) precisa lidar com suas novas funções como Rei de Wakanda, ao mesmo tempo em que sofre as ameaças de um jovem mercenário de passado misterioso – Erik Killmoger, papel de Michael B. Jordan, parceiro constante do diretor e cuja vilania encontra respaldo e autenticidade no roteiro.

Com sabedoria, o diretor dedica tempo suficiente para desenvolver seus personagens de forma absolutamente satisfatória, desde a agente secreta interpretada por Lupita Nyong’o até a fortaleza moral que é a general Okoye, responsável pela segurança do reino. Isso sem contar a jovem Shuri (Letitia Wright) uma versão adolescente do personagem Q, da saga 007, e provavelmente uma das figuras mais carismáticas já apresentadas no universo cinematográfico da Marvel.

Os veteranos Forest Whitaker e Angela Bassett, por sua vez, transmitem com talento toda a sabedoria e o peso decorrente de suas ações e responsabilidades. Dentre as figuras conhecidas, Andy Serkis parece um pouco fora da casinha, enquanto Martin Freeman faz a ponte correta entre este e os outros filmes do estúdio. Como ponto negativo, é um tanto desapontador perceber que o personagem de Daniel Kaluya (de “Corra!) é o único cujas motivações giram unicamente em função de avançar a história.

Visualmente, o filme se alinha à nova tendência dos filmes do estúdio, investido mais em cores, texturas e elementos gráficos impactantes – como visto em “Thor Ragnarok” e “Guardiões da Galáxia 2”, no ano passado. Junte a isso uma trilha sonora arrebatadora – um mix de canções de Kendrick Lammar e ritmos tribais com muita percussão – e o resultado é um espetáculo de imagens que ainda evoca com propriedade elementos que parecem saídos de uma versão live action de “O Rei Leão”.

Enquanto faz um trabalho merecedor de aplausos em relação aos personagens, é preciso admitir que, nas cenas de ação, Coogler não vai muito além do genérico. As perseguições e lutas funcionam sem problemas, mas não trazem nada que já não tenha sido visto, por exemplo, em “Guerra Civil” ou “Soldado Invernal” – filmes do Capitão América, que embutem um viés tão dramático quanto a nova produção. O desempate acontece nos efeitos visuais, com as criações de computação gráfica mostrando-se bem artificiais, o que eventualmente prejudica alguns momentos que deveriam ser impactantes – como todo o terceiro ato e em especial o embate final entre T’Challa e Killmonger.

Tudo isso, porém, pouco conta diante dos inúmeros pontos positivos que o filme vai marcando ao longo de sua exibição. Ao trazer de forma orgânica, sem soar panfletário ou forçado, temas atuais para um universo quase sempre descompromissado, “Pantera Negra” revela-se um filme não apenas antenado com o seu tempo, mas consciente de que mesmo obras criadas para o entretenimento podem discutir questões que falam diretamente a uma boa parte da humanidade.

Quando, em determinado momento, o soberano de Wakanda diz que “os sábios constroem pontes, enquanto os tolos constroem muros”, compreendemos que não estamos vendo apenas um simples filme de super-heróis.