Kong – A Ilha da Caveira usa truques digitais, ação e humor para disfarçar falta de roteiro

“Kong – A Ilha da Caveira” quer ser mais que um spin-off/reboot do mais famoso gorila de Hollywood. Tem a clara pretensão de superar tudo o que já foi visto antes no […]

“Kong – A Ilha da Caveira” quer ser mais que um spin-off/reboot do mais famoso gorila de Hollywood. Tem a clara pretensão de superar tudo o que já foi visto antes no gênero. Considerando que o cinema é lugar de milagres, onde o impossível se torna possível, por que não pagar para ver?

Para começar, porque não há reembolso.

Como espetáculo tecnológico, o novo filme faz o “King Kong” (2005) de Peter Jackson parecer uma obra-prima, e, como aventura seria uma covardia compará-lo ao clássico de 1933. Claro, nenhum remake, nem o de Jackson supera o original. Ainda que houvesse as precariedades técnicas em 1933 e o macaco não passasse de um boneco animado a partir de um esqueleto em arame, forrado com uma antiga estola de pele, o “King Kong” original alinhava uma cena de ação após a outra num clima mágico sem igual.

Para não dizer que falta boa vontade, o novo Kong tem lá algumas qualidades. A maior delas vem da comparação com a quase esquecida versão de 1976, com Jessica Lange. Dessa, “Kong – A Ilha da Caveira” ganha. Mas não de lavada.

Existe sim uma ambição de renovação em cena comandada por Jordan Vogt-Roberts. O diretor é egresso da TV e do cinema independente norte-americano. Tem uma pegada boa para as comédias, tendo se destacado na série “You’re the Worst” e no ótimo filme “Os Reis do Verão”, sobre três garotos que se exilam da sociedade montando um acampamento na selva. Apoiados pelo sucesso que o igualmente indie Colin Trevorrow obteve com o blockbuster “Jurassic World” (2015), os produtores sentiram que podiam apostar as fichas no jovem diretor com ponto de vista para o novo.

Acontece que o talentoso Jordan Vogt-Roberts caiu de pára-quedas no meio de uma produção imensa e, pelo resultado, não teve muito tempo pra se situar.

O maior problema de “Kong – A Ilha da Caveira” é que não consegue se decidir o que pretende ser. É um filme de monstros? Um filme de terror? Um filme de ação (anti-guerra)? Os três roteiristas contratados não se firmam em nenhum desses registros, e ainda roubam cenas inteiras de “Apocalypse Now” (1979), “Jurassic Park” (1993) e “Godzilla” (2014).

Uma pena, porque se examinarmos a essência, o filme até promete um ponto de partida diferente.

A premissa é que o programa LandSat (Satélite de mapeamento de terras) em 1973, tira fotos de uma ilha perdida (A Ilha da Caveira do título) e John Goodman (“Argo”) convence o governo a lançar uma expedição para explorar o lugar. Eles levam alguns soldados que acabam de ser derrotados no Vietnã e são chefiados por Samuel L. Jackson (“Os Oito Odiados”). Para completar a equipe, convidam um britânico das ex-forças especiais (Tom Hiddleston, de “Thor”) e um fotógrafa “anti-guerra”, interpretada por Brie Larson (vencedora do Oscar 2016 por “O Quarto de Jack”).

O frustrado capitão feito por Jackson chega a ilha querendo mostrar a imponência da armada norte-americana, e Kong aparece sem cerimônias e destrói todos os brinquedinhos voadores.

Os sobreviventes se espalham pela selva e então – essa é a melhor parte do filme – descobrem que a ilha é oca e esconde uma caverna, onde animais pré-históricos ficaram preservados.

Quando esse fiapo de história acaba, fica patente que os roteiristas, o diretor e o elenco estão perdidos. Tom Hiddleston e Brie Larson estão tão desorientados em cena, que acabam não se assumindo como protagonistas. E o impasse rola por todos os lados.

Sabe-se que a produção começou a ser rodada antes mesmo do roteiro estar pronto. Levando em consideração que a trama engana bem até o ataque de Kong aos helicópteros, o que deve totalizar uns 25 minutos de filme, e que o edifício treme, desaba e não fica mais de pé nos 90 minutos seguintes, então, é absurdo deduzir, mas o diretor começou a trabalhar com menos de metade de uma história formulada!

Para os produtores de Hollywood, depois do sinal verde, pouco importa a falta de roteiro, é preciso manter o foco na dimensão operacional. Nesse sentido, cabe ao diretor ser profissional. Como a trama patina e se torna repetitiva, o negócio é improvisar com o seu melhor número de mágica, no caso, o humor. Toda vez que o assunto acaba em Kong, ele bota um Creedence para enxotar o tédio de cena.

E felizmente quando o recurso se esgota, ele obtêm o auxílio do veterano John C. Reilly (“Guardiões da Galáxia”), como um piloto da 2ª Guerra encalhado há 29 anos na ilha. O personagem é quase uma apropriação dos roteiristas do doido Dennis Hooper de “Apocalypse Now”. Para a maioria dos atores isso podia soar como uma desvantagem, mas Reilly é um baita ator. E acaba dando um encanto bonachão ao personagem que disfarça a roubada.

Outros personagens, como John Goodman e Toby Kebbell (“Quarteto Fantástico”), parece que foram destinados a desempenhar papéis mais significativos. Cria-se uma aura de pó de pirlimpimpim em volta deles, mas na falta de texto e sem ideias, eles não decolam.

O personagem mais bem composto em cena é Kong. Ainda assim, fica claro que poderiam ter dado mais atenção ao uso da criatura em sua dimensão tecnológica. O CGI é convincente, mas suas proporções parecem erradas. Cada hora, o gorila aparece com um tamanho diferente.

Coroando a comédia de erros: há várias cenas de transição que não se encaixam, que fazem os personagens acabarem em lugares diferentes do que estavam nas cenas anteriores.

A platéia gargalha a valer na sessão, o que pode parecer um sinal positivo para o filme. Mas será que o público ri pela diversão ou por conta das “cartolinas” que estavam despencando na cena?

Uma lástima. Quando esse Kong acaba, deixa uma sensação de vazio na tela. Nos anteriores, inclusive o de Peter Jackson, a tecnologia era usada para dizer alguma coisa. Aqui, para deixar de dizer.