Andrzej Zulawski (1940 – 2016)

Morreu o diretor polonês Andrzej Zulawski, dos cultuados “O Importante É Amar” (1975) e “Possessão” (1981). Ele faleceu em consequência de um câncer, aos 75 anos de idade, informou seu filho, o […]

Morreu o diretor polonês Andrzej Zulawski, dos cultuados “O Importante É Amar” (1975) e “Possessão” (1981). Ele faleceu em consequência de um câncer, aos 75 anos de idade, informou seu filho, o também cineasta Xawery Zulawski, pelo Facebook.

Zulawski nasceu em 1940 na cidade polonesa de Lwów – que após a 2ª Guerra Mundial foi rebatizada de Lviv e anexada à Ucrânia. Ele estudou cinema em França no final dos anos 1950 e iniciou a carreira como diretor assistente do célebre cineasta polonês Andrzej Wajda, trabalhando no potente drama do holocausto “Samson, a Força Contra o Ódio” (1961), na antologia romântica “O Amor aos 20 Anos” (1962) e no épico napoleônico “Cinzas e Diamantes” (1965). A qualidade de seu trabalho acabou chamando atenção do ucraniano Anatole Litvak, já estabelecido em Hollywood, que o convidou a auxilia-lo nas filmagens do clássico de guerra “A Noite dos Generais”, filmado na Polônia com muitos astros ingleses, como Peter O’Toole, Tom Courtenay e Donald Pleasence, além do egípcio Omar Shariff, em papeis de militares nazistas.

Com a experiência adquirida, dirigiu seu primeiro longa-metragem em 1971, “A Terça Parte da Noite”, passado durante a ocupação nazista da Polônia, mas com tom bem diferente das obras em que foi assistente. A perseguição de um homem fugitivo, que tem a família exterminada, assumia com Zulawski contornos de terror, com direito a visões alucinógenas.

O tema da descida à loucura repetiu-se em “O Diabo” (1972), passado durante a invasão da Polônia pela Prússia no final do século 18. Mas a violência do protagonista, que disfarçava uma metáfora sobre como a Polônia vinha sendo tratada por invasores ao longo dos séculos, fez o filme ser proibido pelas autoridades comunistas.

A proibição levou o cineasta a buscar exílio na França, onde realizou, em 1975, aquela que é considerada a sua obra-prima, “O Importante É Amar”, melodrama estrelado pela austríaca Romy Schneider. História de um triângulo amoroso, o longa mostra uma atriz no ponto mais baixo da sua carreira, filmando obras eróticas, quando um fotógrafo apaixonado resolve lhe ajudar, financiando, com dinheiro de agiotas, uma produção teatral para ela estrelar. O gesto a comove, mas ela é casada e se vê dividida. Romy Schneider, que venceu o César (O Oscar francês) pelo papel, dizia que “O Importante É Amar” foi o melhor filme de sua carreira, repleta de clássicos.

Depois das performances à beira da histeria de “O Importante É Amar”, Zulawski buscou novos excessos com seu filme seguinte, “Possessão” (1981). Novamente demandando uma grande performance de sua protagonista, o diretor filmou Isabelle Adjani entre cenas grotescas e escatológicas.

Na trama, após pedir divórcio de seu marido, o comportamento da sua personagem se torna cada vez mais errático. Até que as suspeitas de infidelidade revelam algo muito pior, com o clima alucinatório atingindo níveis apocalípticos. O terror contou também com uma coincidência importante: dois meses antes, o ator Sam Neill tinha interpretado Damien Thorne em “A Profecia 3”. Ele era o marido traído, mas também a besta apocalíptica do novo horror, que surgia inicialmente como um monstro amórfico, fazendo sexo com Adjani. A entrega da atriz às situações bizarras acabou recompensada com o César, além de um prêmio no Festival de Cannes.

“Possessão” foi um filme nascido do aborto de outro. Consagrado com “O Importante É Amar”, Zulawski tentou voltar a filmar na Polônia em 1977. Mas a produção de “Globo de Prata” foi interrompida pelos comunistas e parte dos negativos se perdeu, levando o diretor a voltar à França para extrapolar em “Possessão”. Entretanto, Zulawski completaria aquele filme interrompido em 1988, usando narração em off para cobrir a ausência das cenas desaparecidas.

Os filmes seguintes de Zulawski mantiveram-se fiel a seu estilo exagerado e controverso, atraindo sempre grandes atrizes dispostas a se arriscar, como Valérie Kaprisky, em “A Mulher Pública” (1984). Como um jovem atriz inexperiente, sua personagem é convidada a desempenhar um papel em um filme baseado em, claro, “Os Possessos”, de Dostoievski. Mas o diretor passa a tomar conta de sua vida pessoal, e em pouco tempo ela se torna incapaz de identificar a diferença entre o filme e a realidade.

Logo após se casar com Sophie Marceau, Zulawski a escalou em “A Revolta do Amor” (1985), livremente adaptado de “O Idiota”, de Dostoievski, colocando-a como vértice de um triângulo amoroso estranho e trágico, que envolve seu namorado ladrão e o idiota que o segue por todo o lado.

O casamento rendeu mais três filmes com a atriz, “Minhas Noites São Mais Belas que Seus Dias” (1989), “A Nota Azul” (1991) e “A Fidelidade” (2000). Este último lidava com a questão do amor e a fidelidade e, sintomaticamente, antecipou a separação do casal, que se divorciou no ano seguinte.

Além de dar imagens a suas obsessões amorosas, Zulawski também era apaixonado pela arte, o que rendeu várias adaptações e referências a grandes autores – de Dostoievski a Andy Warhol, celebrado em “A Fidelidade”. Mas ele também filmou referências mais diretas, como “Boris Godounov” (1989), a gravação da famosa ópera de Modest Mussorgsky sobre os eventos trágicos do governo do czar Boris no século 17 – repleto de anacronismos para incluir críticas à União Soviética – e “A Nota Azul”, sobre os últimos dias de Chopin.

Com o fim da União Soviética, ele fez uma nova tentativa de filmar na Polônia, trabalhando sobre um roteiro da escritora feminista Manuela Gretkowska. O título “Szamanka” (1996) significa xamã em polonês, e há a múmia de um xamã na história, mas a trama gira realmente em torno de uma jovem (a estreante Iwona Petry), conhecida apenas como “a italiana”, que exerce um fascínio irresistível sobre os homens. Totalmente amoral, ela faz o que lhe dá na telha e ninguém consegue recusá-la, especialmente o professor de antropologia que lhe aluga um quarto. Como de praxe, não faltam visões, que culminam num desfecho canibal. Mesmo após a queda do comunismo, o filme incomodou o governo polonês, que só permitiu exibições noturnas, enquanto a crítica local o taxou como “O Último Tanto em Varsóvia” pelo forte conteúdo sexual.

Mas após lançar seu filme seguinte, “Fidelidade”, a separação de Marceau abalou seu processo criativo, fazendo-o se afastar do cinema por 15 anos, período em que se dedicou à literatura e expressou sua desilusão e desgosto pelo estado do cinema atual. “Fui o último aluno destes dinossauros que admirei, Bergman, Fellini, Kurosawa, Welles, Stroheim, Peckinpah… O cinema que queria fazer não existe mais, a voz extinguiu-se. A inteligência abandonou o argumento e a realização para se refugiar na tecnologia. Para mim, acabou”, ele escreveu em 2004.

Apenas a proximidade da morte o fez retornar à ativa, com o lançamento de “Cosmos”, seu último filme, em 2015. Adaptação do romance homônimo de Witold Gombrowicz, “Cosmos” acompanhava dois amigos que chegavam numa casa de campo, onde encontram sinais misteriosos e assustadores. A obra rendeu a Zulawski o prêmio de Melhor Diretor do Festival de Locarno, o mais importante reconhecimento de sua carreira, com o qual se despediu, no exato momento em que o filme começa a ganhar “vida” no circuito exibidor.